Muitos foram os que ajudaram a puxar o gatilho da arma que matou Marielle. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 15 de março de 2018 às 23:20
Marielle Franco

A brutal execução de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes na Rio de Janeiro sitiada, invoca, além de toda a dor, mágoa, sensação de impotência e raiva, a realidade inequívoca de um país que vive o seu pior momento desde a redemocratização.

E aqui não limita-se, infelizmente, “apenas” a tragédia política e democrática que se abateu no Brasil desde que o “grande acordo nacional” foi firmado.

Para além da quadrilha que se instalou no seio de nossa república federativa, a degradação moral e humana de uma gigantesca parcela da sociedade apresenta-se como um dos maiores entraves à volta daquilo que um dia conhecemos como nação.

Se por um lado os campos progressistas lamentam e choram a perca irreparável não só de uma política realmente comprometida com as causas sociais, mas, sobretudo, de um ser humano, as reações que seguem no outro extremo ideológico provam que a humanidade parece de fato ter se transformado numa triste experiência fracassada.

A “comemoração” por parte dessas pessoas pelo assassinato de uma jovem política que se recusou a manter-se no seu “devido lugar”, enoja tanto pela forma quanto pelo conteúdo.

Ao declararem que Marielle “colheu o que plantou”, outras execuções são praticadas.

Marielle não foi vítima tão somente de um crime político, foi vítima também de um crime social que nos flagela diariamente.

Ao executarem Marielle, executaram também a mulher, a negra, a favelada, a feminista e a todas as vozes dos excluídos que fez ecoar.

Marielle Franco era, e é, um insulto à atual “sociedade de bem” sempre tão machista, sempre tão hétero, sempre tão branca, sempre tão conservadora, sempre tão excludente, sempre tão violenta e sempre tão corrupta.

Executar Marielle foi também uma forma de executar tudo aquilo que não concordam ou não entendem. É, por assim dizer, o aprendizado dos estúpidos. Destroem tudo aquilo que simplesmente jamais puderam alcançar.

E não, não existe aqui nenhuma metáfora.

Marielle não foi brutalmente assassinada tão somente por indivíduos representantes do Estado ou não. O processo que culminou na sua morte é bem mais complexo e anterior à essa trágica noite.

Muitos foram os que ajudaram a puxar o gatilho da arma que lhe tirou a vida. Comemorar é a reação daqueles que viram, na morte de uma mulher que luta, a sua autoafirmação.

Para essas pessoas realmente é impossível compreender o que de fato Marielle plantou.

Dignidade humana é para humanos.