“Na área da educação, o governo pode tudo”, diz educadora sobre medida provisória do Ensino Médio. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 23 de setembro de 2016 às 10:59
Ilona
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Ex-diretora da Fundação Lehmann por 10 anos, entre 2002 e 2011, a educadora Ilona Becskehazy é comentarista na imprensa e mestre pela PUC-Rio. Atualmente faz doutorado pela Faculdade de Educação da USP.

Nesta quinta-feira (22) o governo Temer anunciou uma medida provisória para reformar o Ensino Médio da rede pública de ensino. Uma das medidas encaradas como positivas foi o aumento de 800 horas para 1400 anuais, de acordo com dados do MEC. A educação das instituições passaria para regime integral no período próximo aos vestibulares e ao Enem.

No entanto, dentro da MP, decisões polêmicas foram tomadas inicialmente. Uma delas foi tornar o ensino de artes, educação física, sociologia e filosofia como disciplinas optativas dependentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que será definida futuramente. Inglês também se torna a língua estrangeira obrigatória em todas as escolas da rede.

Outros pontos pouco claros é abertura para as instituições contratarem professores com “notório saber” para dar aulas “afins de sua formação”. O que o governo quis dizer neste trecho? Na coletiva de imprensa, Temer afirma que a mudança é para acabar com a “tragédia” do ensino público. O modelo lembra bastante a divisão entre clássico e científico, empregado nos anos 40 e 60.

A divulgação ocorreu no começo da tarde, mas às 20h30 o MEC divulgou uma nota oficial desmentindo que pretende cortar artes, educação física, filosofia e sociologia. As disciplinas, no entanto, ainda dependem do que for divulgado pela BNCC para permanecerem na grade. Os alunos terão opção de aprofundar, ou não, alguns temas em regime integral.

A medida provisória para o Ensino Médio entra em vigor amanhã e vale por até 120 dias, mas precisa de aval do Congresso Nacional para ser transformada definitivamente em lei. O Ministério da Educação (MEC) tem expectativa de ver a mudança somente em 2018, mas há possibilidade de alteração ainda neste ano.

O DCM entrevistou Ilona Becskehazy sobre a MP. A educadora criticou o estilo de divulgação do governo Temer, a falta de reformas no Ensino Fundamental e a ausência de dados concretos e atualizados para pautar uma discussão qualificada dentro da imprensa.

DCM: A senhora comentou na imprensa que “problemas do Ensino Médio começam na Educação Básica”. Como se conectam os problemas?

Ilona Becskehazy: O jeito mais rápido de enxergar isso é ver a nota da Prova Brasil, em que a proficiência de matemática caiu pela segunda vez consecutiva de 270 para 267 no Ensino Médio segundo o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico). Essas avaliações conseguem traduzir o conhecimento acumulado nesses estágios. O conhecimento de língua portuguesa também é considerado baixo e a pesquisa é amostral.

Há um problema estrutural que você consegue perder metade dos alunos no Médio. Partimos do princípio que esses docentes se perderam e resultaram na piora dos índices. O aluno não sai da escola para ir para uma super universidade, ele deixa de estudar porque desistiu.

DCM: Este aluno não é salvo pela universidade, né?

IB: E nem deve ser. O que ele deveria ter é um ensino básico forte e talvez uma educação técnica para trabalhar, o que seria o mínimo. A gente precisa entender que a solidez dessas duas etapas é suficiente para ter uma vida digna. É necessário isso para recuperar o que é perdido nas escolas para a pessoa viver bem ser balconista ou especialista técnico. Isso é comum em outros países e deve ser aqui.

Devemos ter profissionais mais especializados e isso é inegável para ter um capital humano maior, mas o problema de valorizar demais o Ensino Superior é não notar que a Educação Básica é extremamente desorganizada.

DCM: Dois pontos da reforma são dúbios: Eles aumentam a carga horária e transformam disciplinas em opcionais. Como fazer essa alteração com tantos problemas e vestibulares cobrando esses conteúdos?

IB: O MEC tem um mau hábito de soltar picadas as informações de uma medida importante como essa para os veículos de imprensa.  Nós comentamos em cima dos pedaços picados, da mesma forma que ocorreu com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e outras notas e indicadores. Isso é um problema que normalmente não se comenta muito.

Em relação às outras disciplinas, como filosofia, sociologia e educação física, eu acho correto e vejo outros países tornando-as opcionais e isso pode ser um benefício para a sociedade brasileira. A ideia que me parece é que o aluno utilize o período do ensino integral para que opter um diploma de Médio e de Ensino Técnico. Acontece uma economia de tempo para ele sair com 18 anos, se não estiver atrasado como boa parte está, pronto para se empregar.

É, como falei, não dando ênfase para o preparo no caso do Ensino Superior. No entanto, o Enem cobra essas disciplinas em conhecimentos gerais e os vestibulares isolados variam muito. Se o aluno quiser encarar os testes, ele terá que estudar focado nessas disciplinas que o governo quer tornar opcionais.

DCM: No entanto, essa reforma do Médio só deveria acontecer depois do Ensino Básico na opinião da senhora, certo?

IB: Sim. Nós estamos comendo bola por muito tempo. A educação até o nono ano precisa ser abordada de uma maneira séria em algum momento. Nós conseguimos deixar passar no Plano Nacional de Educação que os alunos sejam alfabetizados aos oito anos. Isso é um crime! Que lesa a república e a pátria.

Em Sobral, crianças podem ser alfabetizadas aos quatro. Vamos esperar mais quatro anos ensinando as mesmas coisas? Pode-se alfabetizar em pouquíssimo tempo.

A gente tomou muitas decisões erradas e consolidamos um estágio de mediocridade. Se o governo federal quer produzir alguma mudança nos seus dois anos deveria ir no Ensino Fundamental.

DCM: E a senhora acha que a divulgação da MP não tem uma transparência grande do MEC, certo?

IB: Hoje foi a coletiva de imprensa e não vi a medida provisória na íntegra até agora. Só li alguns pontos divulgados para a imprensa. Já tivemos há menos de 10 dias uma divulgação fragmentada e proposital do governo Temer dos dados da Prova Brasil. Os dados das avaliações só foram disponibilizados depois da coletiva.

Nós deveríamos ir diante do governo com os dados em mãos. Falta mobilização da imprensa pra mudar isso. A mídia precisa pressionar para haver um debate sério sobre educação. Inclusive para criticar com embasamento. É muito complicado ir a uma coletiva de imprensa às cegas.

Não se faz isso na área de economia, por exemplo. É impossível porque o debate é qualificado. Na área da educação, o governo pode tudo, né?