Na boca da urna, outro depoimento de Palocci é vazado: como o primeiro, nada de prova. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 20 de outubro de 2018 às 20:20
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Três dias depois de Sergio Moro expressar no Conselho Nacional de Justiça a convicção de que agiu certo ao dar publicidade, na véspera do primeiro turno, a um dos depoimentos de Antonio Palocci, no acordo de colaboração homologado pela justiça, um novo depoimento do ex-ministro foi tornado público.

Quem será que vazou?

Está hoje, no jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo a reportagem, Palocci disse que, em 2014, Lula o teria procurado para combinar falso testemunho sobre encontros com João Carlos de Medeiros Ferraz, ex-gerente da área de finanças da Petrobras, que virou presidente da Sete Brasil, fornecedora de navios-sonda para o pré-sal.

Na versão de Palocci, Lula queria que ele assumisse ter feito contato com Ferraz.

Assim como no primeiro depoimento, o ex-ministro nada prova.

Em relação ao primeiro depoimento, vazado seis dias antes da eleição, o juiz abriu a oportunidade para verificar a consistência do que disse o ex-ministro da Fazenda.

O advogado Rubens Rodrigues Francisco, a pedido do DCM, analisou o depoimento.

Rubens não é uma celebridade do direito, nem faz parte da equipe que defende Lula, mas começou a bater na tecla do lawfare muito antes do termo se tornar conhecido no Brasil com o processo que levou o ex-presidente à prisão.

O lawfare, base conceitual de um processo movido pelo ex-presidente na ONU, é uso das leis como arma de guerra, a utilização do processo judicial para destruir uma liderança.

Rubens atua na área de Direitos Humanos, Acidente do Trabalho e Perícias Forenses, e fundou a Associação Provitimas, em nome da qual defendeu os policiais militares presos no Rio de Janeiro em 2012, por conta de uma greve, entre os quais o Cabo Daciolo.

Pela Associação, também se apresentou como amicus curiae no processo do triplex do Guarujá — uma defesa voluntária, por assim dizer.

O senador Roberto Requião o constituiu para representá-lo em ações que tentaram impedir o leilão de campos do pré-sal.

Batalhas não vencidas. Mas Rubens está sempre na trincheira. Por quê?

“Primeiro porque sou advogado e você só consegue exercer a profissão dentro de um sistema sólido e confiável, algo que não está acontecendo no Brasil em função da escola iniciada na Lava Jato.”

Ao primeiro depoimento de Palocci:

O ex-ministro da Fazenda diz, em sua delação, que Lula nomeou Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da Petrobras para a obtenção de recursos ilícitos ao Partido Progressista.

O ex-ministro não fornece nenhuma prova ou indicação de caminhos para investigação, mas é farto nos adjetivos. Diz um trecho do depoimento:

— LULA indagou ao COLABORADOR se aquilo era verdade, tendo respondido afirmativamente: QUE então indagou ao COLABORADOR quem era a pessoa responsável pela nomeação dos diretores; QUE o COLABORADOR afirmou que era o próprio LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA o responsável pelas nomeações; QUE também relembrou a LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA que ambos os diretores estavam agindo de acordo com parâmetros que já tinham sido definidos pelo próprio PARTIDO DOS TRABALHADORES e pelo PARTIDO PROGRESSISTA; QUE acredita que LULA agiu daquela forma porque as práticas ilícitas dos diretores da estatal tinham chegado aos seus ouvidos e ele queria saber qual era a dimensão dos crimes, bem como sua extensão, e também se o COLABORADOR aceitaria sua versão de que não sabia das práticas ilícitas que eram cometidas em ambas as diretorias, uma espécie de teste de versão, de defesa, com um interlocutor, no caso, o COLABORADOR; QUE essa prática empregada por LULA era muito comum; QUE era comum LULA, em ambientes restritos, reclamar e até esbravejar sobre assuntos ilícitos que chegavam a ele e que tinham ocorrido por sua decisão; QUE a intenção de LULA era clara no sentido de testar os interlocutores sobre seu grau de conhecimento e o impacto de sua negativa.

Palocci, segundo seu depoimento, teria tido um improvável diálogo com Lula, em que o teria confrontado:

— QUE explicitou a LULA que ele sabia muito bem porque houve a indicação pelo PP de um diretor, uma vez que o PP não fez aquilo para desenvolver sua política junto à PETROBRAS, até porque nunca as teve; QUE a única política do PP era a de arrecadar dinheiro.

“Essa delação do Palocci é uma construção, uma simulação jurídica — disse o advogado Rubens. “Nós estamos falando de um prisioneiro (Palocci) que é obrigado a contar uma história que se encaixa dentro de um processo fraudulento que levou à condenação Lula. É uma história que preenche uma lacuna, se encaixa no que disse Paulo Roberto Costa.”

Provas?

“Nenhuma. Não há materialidade delitiva. O que existe é um consenso fabricado.”

Rubens Rodrigues Francisco, advogado

Palocci fala sobre dois grupos que teriam se formado no governo Lula.

Um seria o “programático”, do qual ele faria parte, juntamente com Luiz Gushiken (já falecido), José Genoíno e Miro Teixeira (na época, no PDT), e o outro o pragmático, do qual fariam parte José Dirceu e Marco Aurélio Garcia (já falecido).

“Pragmático x programático” é uma construção linguística que lembra o “pacto de sangue”, referência usada por ele para tentar seduzir Moro, com a proposta de colaboração.

Na versão de Palocci, gravada em audiência, o ex-presidente da república e o ex-presidente da Odebrecht teriam firmado o tal pacto, para a sobrevivência de ambos.

Na versão de Palocci, os pragmáticos, que contariam ainda com a participação de Dilma Rousseff, venceram a queda de braço no interior do governo e conseguiram maioria no Congresso Nacional com a compra de apoio de pequenos partidos.

Pelo depoimento de Palocci, os programáticos planejavam realizar a reforma tributária, da previdência e a reforma do Judiciário e, para isso, contavam com a aproximação do PSDB e do PMDB (atual MDB).

Conversa mole.

Lula fez uma reforma da Previdência — tímida, mas fez — e tentou a reforma tributária, sem sucesso, como o ex-presidente conta no livro A Verdade Vencerá:

— O processo de política tributária que eu fiz em 2007 teve apoio dos 27 governadores, dos líderes partidários, de todos os presidentes de indústrias neste país e de todo o movimento sindical. Eu tive tanto apoio que, quando eu mandei para o Congresso Nacional, falei: “Pela primeira vez, nós vamos fazer uma política tributária”. O que aconteceu? Eu disse que precisávamos colocar o projeto na mão de alguém que quisesse mesmo aprovar. Pedi para o Arlindo Chinaglia dar a relatoria para o Palocci. Mas ele deu para o Sandro Mabel. Na semana seguinte, o Serra passou a viajar pelo Brasil falando cobras e lagartos do Sandro Mabel, que ele era isso e aquilo, que era achacador… Morreu a reforma tributária. Essas coisas não são num tom de mágica. Toda vez que discutimos a reforma tributária, você tem que saber o seguinte: neste país, quem paga mais imposto de renda proporcionalmente é o povo trabalhador, aquele que tem desconto na folha de pagamento. Então, você tem que fazer uma inversão, cobrando dos ricos, que pagam menos. Significa começar a discutir herança, por exemplo. Porque é uma vergonha o que se paga sobre herança. O imposto de renda que os rentistas pagam é uma vergonha. Mas, para fazer isso, é preciso ganhar a eleição fazendo esse discurso, sabendo que você terá muita gente contra você e, se você não eleger uma bancada que pensa assim, você não fará.

Em uma delação pobre em substantivo e farta em adjetivos, a Polícia Federal registra até a opinião de Palocci sobre a proibição de doação empresarial para campanhas políticas:

QUE julgou correto a proibição de doações como vinham sendo feitas, mas também se deve tomar cuidado com as implicações disso, como o aumento de caixa 2, a inviabilização da eleição de pobres e pessoas que recebem, por meio de atividades profissionais, recursos antecipados para fins políticos.

A política nunca mais será a mesma depois dessa declaração.

Que interesse há nisso para a investigação criminal?

Palocci também fala da venda de emendas para medidas provisórias aprovadas no Congresso Nacional.

Existe um comércio no parlamento para enxertar as medidas provisórias, como se sabe a partir da investigação em torno de Eduardo Cunha, a maior expressão dessa engenharia corrupta, mas o que isso tem a ver com “o maior esquema de corrupção do universo” criado pelo PT?

Nada.

Quando se insinuou a Moro para contar o que sabia, Palocci disse que poderia entregar os podres relacionados a bancos e a uma grande empresa de comunicação (Globo), mas depois recuou.

O primeiro depoimento vazado é um traque para quem prometeu uma bomba atômica.

Sérgio Moro disse que há outros depoimentos, mais “contundentes”, mas este que liberou, na última semana antes do primeiro turno, só é útil para produzir efeito na boca de urna, porque, do ponto de vista processual, não serve para nada.

Isto é, se se considerasse que o sistema judicial em Curitiba funcionasse ainda tendo como base as leis e a Constituição.

Prova deixou de ser um requisito básico para condenação desde que o triplex do Guarujá foi atribuído a Lula, e ele foi punido por atos indeterminados.

Para o advogado Rubens, a delação de Palocci, mesmo sem provas, preenche uma lacuna, pelo menos perante o entendimento de leigos.

“O ex-ministro é usado como uma peça do quebra-cabeças. Preenche a lacuna. Seu depoimento será usado para dizer que Lula fez nomeações na Petrobras em troca do triplex que nunca foi dele. E o sistema da Lava Jato em busca do ato determinado. Não prova nada, mas aquece o ambiente de histeria coletiva”, afirmou Rubens.

Vêm aí os próximos capítulos.

Para Palocci, o que está em jogo é a possibilidade de deixar a prisão e também a liberação de R$ 30 milhões dos R$ 60 milhões em contas dele que foram bloqueadas.

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Bolsonaro fez uma elogio público a Sergio Moro, e, segundo notas vazadas na imprensa, ele é contado para o Ministério da Justiça em caso de vitória do candidato do PSL.

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