Na década de 70, a ditadura ocultou os casos de meningite durante epidemia

Atualizado em 8 de junho de 2020 às 14:09

Publicado no Aventuras na História

O sistema de saúde da época também não era muito bom – Arquivo FIOCruz

Durante a ditadura militar, o Brasil sofreu as consequências da negligência do governo na saúde como forma de impedir que o regime caísse em descrédito. É o caso da epidemia de meningite, que ocorreu entre 1971 e 1974. Tendo como foco São Paulo, a crise sanitária teve uma média de 1,15 mortos por dia, com auge em 1972 (14%).

O mais grave desse surto era consciência do governo em relação à letalidade da doença, mas um encobrimento da situação pela Linha Dura, que se aproveitava da vitória na Copa anos antes. Isso porque o país não podia cair com a derrota do sistema de saúde.

O que começou a mudar (lentamente) quando Geisel assumiu, mudando a diretriz do governo para a Abertura Pendular. Em 1975, provou-se que a melhor maneira de diminuir as mortes era o diagnóstico precoce e o tratamento.

Segundo os epidemiologistas, a o surto ganhou vida nas periferias de Santo amaro, cidade de São Paulo, progredindo para os centros em múltiplas ondas despercebidas, atingindo um momento em que absolutamente todas as regiões da cidade registrassem casos, com riscos entre os mais pobres. Diante do aumento da pobreza na Ditadura, as favelas cresciam anualmente, e as condições de vida pioravam.

Distribuição geográfica da meningite / Crédito: Wikimedia Commons

Mas a situação ficou ainda pior. A crise se expandia pelas macrorregiões da capital, passando de Santo Amaro para a Zona Leste, e então a Zona Norte em 1972 e, 25 meses depois, chegaria à Oeste e, finalmente, o Centro.

Naquele ano, a população já sabia que a situação era critica, e exigia ação rápida do governo. No entanto, as autoridades do Ministério da Saúde negavam a existência da doença. Enquanto isso, as secretarias do estado de São Paulo tentavam conter a situação, com medicina preventiva e testes de novas vacinas.

Pressionado, o governo paulista passou a dotar uma vacina usada por militares dos EUA no Vietnã, que ao ser testada em crianças em São Paulo. No entanto, foi em vão: só existiu imunidade a partir dos dois anos de idade. Isso gerou mutações na distribuição da doença, atingindo pessoas adultas.

Diante da sobreposição, o surto estava cada vez mais descontrolado, até atingir, sem que a capacidade da unidade federativa fosse suficiente, 563 casos a cada 100 mil habitantes, segundo a obra O livro da meningite, uma doença sob a luz da cidade, de José Cássio Moraes e Rita Barradas Barata.

Com isso, diversas faixas etárias passaram a fazer parte dos principais grupos de risco, enquanto nenhum governo fazia ações concretas de controle sanitário, como massivas campanhas de vacinação ou regulação dos ambientes de trabalho.

A partir de 1974, a situação estava tão crítica, que era impossível fingir que não estava acontecendo. A Linha Dura saiu da presidência em favor de Ernesto Geisel, que criou a Comissão Nacional de Controle da Meningite, para a vigilância e aconselhamento de como prosseguir.

Se a ditadura não tivesse acobertado a crise, ela não teria sido difícil de controlar a partir de 1974. Em 1976, o numero de contágios já eram seis vezes maior ao ano anterior, e uma operação gigante de vacinação se tornou necessária.

Em apenas quatro dias, agentes vacinaram mais de 10 milhões de pessoas. No entanto, o esforço em impedir a disseminação do surto continuava: não existia uma comprovação da vacinação ou o registro das ações do Ministério. Além disso, os dados foram originados através de pesquisas posteriores do IBGE, por amostra domiciliar.

Estima-se que 93% da cidade tenham sido atingida pela campanha, o que possibilitou, dado o atraso nas ações do governo, que os casos começassem a diminuir apenas em 1977 (ano em que a incidência do Tipo A ainda era maior que a calculada), possibilitando o retorno da rotina normal da capital.