Na entrevista de hoje, Lula mostrou que tem um caso de amor com o Brasil. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de abril de 2019 às 19:47
Lula chorou a falar do neto, mas logo recuperou o fôlego para defender o Brasil: como o país aceitou prescindir de um cara assim?

Em seus últimos dias de liberdade, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula chamou alguns amigos e perguntou um a um:

“Você acha que eu vou ficar muito tempo preso? Tem advogado que acha que eu saio rápido…”

Pelo menos dois disseram que ele não sairia tão rapidamente. Um deles lembrou que meses antes havia lhe sugerido deixar o Brasil ou buscar asilo em uma embaixada.

Havia países dispostos a abrigar Lula, para que ele liderasse do exílio a resistência ao avanço da direita.

E não era Cuba nem Venezuela. Nem nenhum país africano.

Lula refutou a proposta.

“Estou muito velho para viver em outro país. Vou ficar aqui e provar minha inocência. Meu lugar é no Brasil”, disse.

Hoje, na primeira entrevista que concedeu desde abril do ano passado, Lula demonstrou que tem um caso de amor com o Brasil.

O jornalista Florestan Fernandes perguntou:

“O senhor fica mais preocupado aqui preso na Federal com o que lá fora? Com seus filhos, com a sua família? O que lhe preocupa? Saber que eles estão passando dificuldade para se colocar na sociedade porque, diferente do que disseram, muitos não estão numa situação financeira…

Lula interrompe:

“Veja, estão todos mal. Todos, todos mal. Eu estou com meus bens todos bloqueados”, diz.

A sobrevivência dos filhos, netos e da bisneta o preocupa, efetivamente, mas esta não é uma situação inédita na sua vida.

Há quarenta anos, quando teve seu mandato sindical cassado pela ditadura e depois foi preso, ficou sem renda. E alguns amigos iam toda semana à sua casa, em São Bernardo do Campo, para levar cesta básica.

Um desses amigos é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que levava cesta com mantimentos e uma lata grande de leite em pó da marca Mococa.

Por conta disso, os filhos, crianças, começaram a chamar Greengalgh de tio Mococa, e o apelido pegou. Lula chama Greenhalgh de Mococa até hoje.

Atualmente, quem dá assistência aos filhos de Lula é Paulo Okamoto, Greenhalgh continua muito próximo, mas hoje se dedica muito mais no apoio direto a Lula.

Toda segunda-feira, de manhã, ele visita o ex-presidente. Está cadastrado como advogado de Lula, e a pedido dele analisou o processo do triplex, mas os dois, naturalmente, não falam apenas de questões técnicas. Trocam ideia, riem, choram… Toda segunda-feira.

A pergunta de Florestan Fernandes era sobre a preocupação que Lula tem com os filhos. Naturalmente, ele tem, e muita. Mas logo depois de falar sobre os filhos se concentra no Brasil — “eu posso brigar, o povo nem sempre pode…”

A preocupação de Lula é com o país, e como nesta entrevista o ex-presidente passou a imagem de  sinceridade ao falar. ..

Lembrou o presidente que pediu a publicitários, logo depois de assumir, em 2003, que fizessem uma campanha para resgatar a auto-estima dos brasileiros: “Sou brasileiro, não desisto nunca”

“Eu fico preocupado com a situação do Brasil”, disse hoje.

“Eu, sinceramente, não consigo imaginar o sonho que eu tive para esse País. Eu não consigo imaginar o sonho que eu tinha quando a gente descobriu o pré-sal para fazer este país virar gigante. Eu tenho um orgulho e eu sonhei grande, porque eu passei a ser um presidente muito respeitado.  Aqui na América do Sul, o Brasil era referência. Eu sonhava criar um bloco na América do Sul para a gente ter força nas negociações com a União Européia, com os Estados Unidos, com a China. Individualmente, a gente é muito fraco. Eu fui o único presidente a ser chamado para a reunião do G8. Eu era o presidente, mas o Brasil foi muito importante no G20. Tudo isso desmanchou. Agora eu vejo o prefeito de Nova York que não quer fazer um jantar com o presidente do Brasil. O dono do restaurante se recusa… A que ponto nós chegamos! Que avacalhação!”, disse.

Lula, quando lhe acenaram com a hipótese da prisão domiciliar, disse que ele não negociaria nenhum benefício. Repetiu a frase: “Não troco minha dignidade nem pela minha liberdade”, afirmou.

No cárcere, ele trabalha, e muito, da mesma maneira que trabalharia em casa. Claro que teria a vantagem de ficar mais próximo da família e dos amigos, mas o que Lula quer mesmo é deixar a prisão para viajar pelo Brasil. Se for para ficar em casa, ele não vê, pessoalmente, grandes vantagens.

Já se tiver a possibilidade de andar pelo Brasil, Lula se realizará outra vez. Não para fazer campanha individualmente, mas para compartilhar um sonho: o do Brasil gigante.

Lula está forte, mas, com a entrevista de hoje, demonstrou como o País precisa dele, e de sua fé no povo e esperança em um projeto desenvolvimento, que só se justifica (e se realiza) se for inclusivo.

O cara faz falta.