Na nova denúncia contra Lula, a evidência de que a Lava Jato é incorrigível: sua ação é política. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 15 de setembro de 2020 às 1:00
Lava Jato

A nova denúncia da Lava Jato contra Lula, Paulo Okamoto e Antônio Palocci tem 123 páginas e nenhuma novidade. Melhor: nenhuma prova que confirme a gravidade da acusação de lavagem de dinheiro.

Além de não ter provas, não apresenta a descrição de nenhuma conduta criminosa, exceto contra Palocci, se se considerar que o que ele disse sobre os próprios crimes seja verdadeiro.

A denúncia parte de um fato: o Instituto Lula recebeu doações da Odebrecht entre 2013 e 2014 no valor total de R$ 4 milhões, conforme recibos.

Mas apresenta uma conclusão falsa (ou não comprovada): o dinheiro seria referente à vantagem indevida obtida pela Odebrecht, em contratos com a Petrobras.

Que prova os procuradores apresentam para chegar a essa conclusão? Nenhuma.

A delação de Palocci é imprestável, conforme decidiu o STF, mas, ainda que o ex-ministro tivesse credibilidade, ela não serve como prova.

Nem a delação de Palocci, nem a do papa, se houvesse. Palavra de delator não é prova, é caminho de prova.

Uma das supostas provas apresentadas pelo MPF serve, na verdade, para descaraterizar a denúncia.

Trata-se de uma planilha que teria sido encontrada com Paulo Okamoto, numa ação de busca, com valores solicitados a potenciais doadores e os valores efetivamente doados ao Instituto Lula.

Na relação, aparecem, entre outros, João Carlos Di Genio, do Objetivo, Abílio Diniz, Bradesco, Itaú e Amil, além da Odebrecht.

Se a doação da Odebrecht era propina, como acusa o Ministério Público, as demais doações também deveriam ser assim consideradas. Mas não.

Os doadores do Instituto Lula são praticamente os mesmos do Instituto Fernando Henrique Cardoso, e a Lava Jato sabia disso.

Tanto que, em novembro de 2015, os procuradores de Curitiba chegaram a discutir a realização de busca e apreensão na instituição que leva o nome do ex-presidente tucano.

A ideia foi descartada depois que chegaram à conclusão de que essa operação poderia beneficiar Lula.

“Meus caros, o que acham de instaurarmos um PIC (Procedimento de Investigação Criminal) para investigar, no mesmo procedimento, pagamentos efetuados pelo Grupo Odebrecht (e outras cartelizadas) ao LULA (via LILS e INSTITUTO) e ao FHC (via Fundação iFHC)? Assim ninguém poderia indevidamente criticar nossa atuação como se tivesse viés partidário”, propôs Roberson Pozzobon, em um dos chats do grupo, conforme a Vaza Jato.

O grupo, ao final, entendeu que a operação no Instituto FHC poderia descaracterizar a tese deles de que as doações da Odebrecht ao Instituto Lula seria corrupção.

“Mas será q não será argumento pra defesa da lils (Luís Inácio Lula da Silva) dizendo q eh a prova q não era corrupção?”, questiona Diogo Castor de Mattos.

Deltan Dallagnol, na época coordenador da força-tarefa, concorda que, para a Lava Jato, seria pior realizar ações nos dois institutos e depois denunciar apenas Lula — eles já tinham essa ideia fixa: denunciar Lula.

Dois anos depois, em 2017, a defesa de Paulo Okamoto pediu a Sergio Moro, então juiz, que determinasse à Receita Federal informar os doadores dos Institutos FHC, Sarney e Itamar Franco.

Moro negou.

A prova seria importante para mostrar que o instituto que leva o nome de Lula teve os mesmos financiadores de outros ex-presidentes.

Se era propina no caso de Lula, seria também nos demais. Se não era propina no caso de FHC, Sarney e Itamar, também não seria no caso de Lula. Simples assim.

Mas, para a Lava Jato, a busca da verdade parece nunca ter sido o real objetivo dos procuradores.

Para o advogado Fernando Fernandes, que defende Paulo Okamoto e conseguiu sua absolvição no processo do triplex — em que Lula foi condenado —, o MP está dando nova roupagem às denúncias já descaracterizadas.

“Paulo Okamotto jamais tratou de propina ou de ilegalidades com ninguém, e muito menos com Palocci, com Marcelo Odebrecht. Já foi absolvido em processo sobre doação ao Instituto Lula, e teve parecer favorável antes disso da Procuradoria da República para o trancamento da ação em razão da Lei 9.394/91 assentar que o arquivo presidencial é ‘patrimônio cultural brasileiro’. O objetivo social do Instituto é a preservação da memória e do arquivo, assim como de Fernando Henrique e de Obama. O Ministério Público de Curitiba repete a mesma ilegalidade. A defesa espera que não seja recebida essa repetição de fatos jurídicos já apreciados com  nova roupagem”, afirmou.

Se a 13a. Vara Federal de Curitiba fosse um juízo normal, a denúncia, certamente, seria rejeitada. Mas, como se transformou em um tribunal que admite exceções, essa denúncia talvez vire processo, mesmo inepta.

E a defesa de Lula e também a de Okamoto terão um grande trabalho pela frente: demonstrar que, em Curitiba, não havia apenas o juiz despido da imparcialidade.

Os procuradores também agem com motivações que não guardam relação com o mundo do direito. O interesse deles, ao que tudo indica, é político.

A rigor, na prática, não agem como procuradores, embora conservem o título. São Filhos do Januário (Paludo, aquele).

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A seguir, a íntegra da denúncia: