Publicado originalmente no Balaio do Kotscho
Por Ricardo Kotscho
Abro pela primeira vez o computador em 2020, depois de passar o primeiro dia no hospital fazendo exames, que confirmaram mais costelas fraturadas, uma delas pela segunda vez.
No meu caso, nenhuma novidade. Acho que já quebrei o esqueleto inteiro ao longo da vida, mas ainda consigo escrever.
Aliás, não encontrei novidade nenhuma até agora no noticiário do ano novo, que mal começou, e já começou mal, como o outro terminou.
Passada a euforia fabricada pela melhora de alguns índices econômicos no final de 2019 _ alguns logo desmentidos, como o aumento de 9,5% da vendas de Natal _ voltamos à mesma lereia de costume.
E como haveria de ser diferente, apesar de todo o otimismo chapa branca dos comentaristas da televisão, que querem criar um clima “favorável para os negócios”, como se a simples mudança da folhinha fosse capaz de operar milagres?
Cabe até perguntar: “favoráveis” para quem, cada pálida?
Só faltou ressuscitar as marchinhas ufanistas do “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, dos tempos do general Médici e do milagre econômico do czar Delfim…
Brasileiro gosta mesmo de se auto-enganar, acreditar em mandingas de ano novo, banhos de cheiro e oferendas, e eu não estou aqui para tirar o otimismo e a ilusão de ninguém.
Mas dá para acreditar que, de um dia para o outro, Bolsonaro vai virar um estadista? O Posto Ipiranga vai nos abastecer de empregos formais para todos e nada nos faltará? O justiceiro da Justiça vai descobrir quem jogou as bombas no Porta dos Fundos e onde está Queiroz; quem mandou matar Marielle e abasteceu o avião da FAB de cocaína?, entre outros mistérios pendentes de 2019?
Pelas primeiras amostras, podem ir tirando o cavalinho da chuva.
Guedes sumiu de repente, suas reformas foram para as calendas; Moro, para não variar, foi passar férias nos Estados Unidos e Bolsonaro já chegou rosnando no seu primeiro encontro com a imprensa, depois de anunciar pelo Twitter um “2020 tão vitorioso quanto 2019”. Valha-nos Deus.
No confronto desta manhã, depois de se recusar a falar com os jornalistas na véspera, por querer “começar bem o ano”, recuou mais uma vez dos recuos dos recuos anteriores e desistiu de vetar os R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral, “para não correr o risco de um processo de impeachment”, do qual ninguém está falando até agora. Só ele.
No chiqueirinho da imprensa no Alvorada, declarou apenas: “Preciso preparar a opinião pública, caso contrário vocês (a imprensa) me massacram, vocês arrebentam comigo”.
Essa imprensa é mesmo malvada: publica tudo o que ele fala, e ninguém entende direito.
De novidade mesmo, no meu computador 2020, só apareceu até agora uma nova invasão de spams de propaganda de planos de saúde, operadores de telefonia, renovação de CNH, revisão e seguro de automóveis, embora eu não tenha carro há mais de dez anos.
Os algoritmos devem ter enlouquecido na passagem de ano e não obedecem aos nossos comandos.
Mesmo você clicando lá no “caso não deseje mais receber…”, e de confirmarem teu descadastramento, no dia seguinte estão todos lá de novo, num moto contínuo.
Voltaram também as ligações fantasmas do Paraná (prefixo 41), sempre nos mesmos horários, tocando uma musiquinha e ninguém falando nada do outro lado.
Fora isso, continuam as discussões filosóficas: na direita, sobre o que é “liberal na economia e conservador nos costumes” e, na esquerda, as brigas em torno de Stalin e os rumos do comunismo.
Nesta fase retrô vivida pelo país, estão de volta até os “camisas verdes” do integralismo, a versão nativa do fascismo de Plínio Salgado, que assustou o país nos anos 30.
São suspeitos de terem jogado as bombas molotov, outro artefato de antigamente, nos estúdios da produtora do Porta dos Fundos.
Bolsonaro não se manifestou até agora sobre o atentado e só prestou solidariedade ao empresário amigo Luciano Hang, por conta do incêndio numa “estátua da liberdade” de sua loja em São Carlos.
Falta sair algum livro sobre os “fundamentos científicos, militares, teocráticos, psiquiátricos e filosóficos do bolsonarismo”, que certamente aparecerá nas livrarias este ano.
É o único palpite a que me arrisco, no meio de tantas mães dinás do nosso jornalismo, que preenchem páginas e paginas com as previsões para 2020, para não dizer nada.
Num país onde, segundo Pedro Malan, até o passado é imprevisível, esperar o que de novo e de bom?
O que é novo não é bom e o que é bom não é novo.
É o que temos para abrir o novo ano velho.
E vida que segue.