“Não adianta dar bônus para a polícia se não temos armas”

Atualizado em 23 de maio de 2013 às 20:03

Um sargento da PM falou com o Diário sobre a crise na segurança pública em São Paulo — e expôs o modo de viver e pensar da corporação.

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O bônus semestral que Geraldo Alckmin anunciou que quer dar aos policiais foi criticado unanimemente pelas entidades de classe. A iniciativa, que faz parte do programa São Paulo Contra o Crime, prevê que quem conseguir bater a meta em sua área de atuação ganhará entre 4 mil e 10 mil reais. Os presidentes dos sindicatos preferem, compreensivelmente, aumento de salário.

Alckmin está vivendo, e não é de hoje, um inferno astral na segurança pública: na capital, o número de vítimas de homicídio doloso cresceu de 37,3% (de 91 em fevereiro para 125 em março), uma alta de 26,2% em comparação com dados do mesmo período do ano passado. As ocorrências durante a Virada Cultural expuseram um pouco mais o problema.

O que acontece com a polícia? O Diário conversou com o sargento PM Fernando C. Ele tem 49 anos, é divorciado e pai de cinco filhos. “O bônus é uma mágica do governo. Falta treinamento, falta mudar a metodologia, falta gente, faltam armas. A PM não tem condições de trabalho”, disse.  Fernando pintou um quadro que revela o modo de pensar e de viver da PM – e ajuda a explicar o momento que São Paulo atravessa.

Não adianta dar bônus ou colocar mais viaturas nas ruas. O Alckmin está perdido. Isso não é solução.  Tem carros demais para pouco efetivo. Dentro da polícia, a orientação é a seguinte: o soldado atende a ocorrência que achar que der. Se não der, ele simplesmente não atende.

Muitas viaturas têm apenas um PM. São as viaturas “solitárias”. A população vê um carro da polícia e acha que está tudo bem. Não está. Um PM não resolve nada. A pergunta que se faz é: quem não tem segurança faz segurança para quem? Como eu vou proteger alguém se não sou protegido? Quando o PCC resolve fazer um “salve geral” (sair às ruas para executar policiais), os primeiros a morrer são os das “solitárias”. O comando avisa que vai ter isso, vai ter aquilo, mas não explica por que e nem o que vai acontecer.

Temos cerca de 80 mil homens distribuídos em 645 municípios no estado. A falta de material é absurda. É uma luta desigual. Durante muito tempo, a PM usava revólver 38 contra o crime, quando ele ainda não era organizado. Atualmente, as armas são calibre .40, enquanto os bandidos usam submetralhadora.

Alckmin: "Ele está perdido"
Alckmin: “Ele está perdido”

 

A PM prendia um cara e o apresentava na delegacia. Enquanto o policial estava terminando de preencher o boletim de ocorrência, o cara estava passando atrás dele, indo embora, depois de subornar o delegado. O raciocínio ficou o seguinte: já que tem acerto, eu mesmo acerto na rua. “Se eu não fizer isso, alguém vai fazer”, eles pensam. Funciona assim.

A corrupção corre solta: o policial toma 50 reais de um bandido para soltá-lo, mas o delegado pega 5 mil. Os PM estão percebendo que, já que existe roubo, é melhor eles mesmos roubarem.

Quando o policial puxa o gatilho, ele não puxa sozinho. Eu já torturei. Uma vez, no Pico do Jaraguá, eu segurei um cara com a mãe esquerda, à beira de um morro. Falei para ele imaginar que estivesse voando.  Eu apontava para um passarinho e dizia que ele podia se salvar se soubesse voar. Ele não voou… Deu a informação que eu queria, nós pegamos as drogas e fomos à delegacia, mas percebemos que era entregar o ouro pra outro bandido. Por isso você vê investigador de Audi X-3, viajando para a Europa etc.

Eu nunca matei ninguém. O máximo que faço é o furinho, mas quem mata é o Senhor. Nesse sentido, já fiz furinho em um monte de gente. Já levei um monte de balas também. Dá ultima vez passeio vários dias numa UTI, com quatro tiros. Ao sair do hospital, para minha surpresa, encontrei um dos que atiraram em mim. Eu disse a ele: “Fica calmo, nada vai acontecer a você agora, mas nós vamos acertar nossas contas”. Tive apoio dos companheiros para saber onde ele morava. Tirei-o de lá e cumpri o que havia lhe prometido.

Às vezes contamos com a ajuda do médico. Tem um hospital na Lapa em que um médico perguntava: “polícia ou bandido?” “Polícia!” – ele atendia rapidinho. Se fosse bandido, ele demorava, mexia no pneu do carro e em outras coisas sujas e verificava a profundidade do disparo com o dedo. Se o cara morria de infecção, paciência. Afinal, ele teve assistência. Esse médico fazia uma seleção natural.

Quando Erasmo Dias era secretário de segurança pública de São Paulo, havia um boletim dizendo que o policial que “derrubasse” um bandido tinha quinze dias de dispensa. Eu fiquei seis meses em casa. Fui para a Bahia e foram as melhores férias da minha vida. Hoje, se você bater no cara, vai preso. Se não bater, vai preso também.

Toda viatura tem um recruta para fazer o serviço sujo. Ele se enquadra no artigo 50 do código penal militar (que diz que o menor de 18 anos é inimputável). O rapaz acha que está na viatura porque gostam dele, mas é para ele poder matar sem problema. Chamamos isso de “quebrar o cabaço do recruta”.

A polícia deveria ser treinada em contraguerrilha urbana, como na época do Lamarca. Hoje, vivemos uma época de emburrecimento. Tem três ou quatro psicólogos mandando desenhar árvore, gato…  Aquela pessoa que está pintando uma vaca tem 30 anos de profissão. Ao invés de contribuir para subir o moral da tropa, o efeito é oposto.

Uma das máximas da PM é que todo “paisano” é babaca. Quer dizer, quem não é policial é babaca. E isso é dito abertamente entre nós. 

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