Não durou nem 72 horas. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 21 de setembro de 2025 às 8:50
Apoiadores de Jair Bolsonaro pedem anistia durante ato na Avenida Paulista (SP). Foto: Reprodução/Maira Erlich

Durou pouco a euforia dos bolsonaristas após a aprovação da urgência do projeto de anistia na Câmara. A comemoração de quinta-feira logo deu lugar a uma ressaca política na sexta, quando o relator escolhido, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), deixou claro que não se trata de anistia, mas de um debate sobre dosimetria de penas. Até o nome do projeto deve ser alterado, em contraste direto com a expectativa de seus defensores.

Na entrevista concedida ao lado do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) e do ex-presidente Michel Temer, Paulinho sinalizou que o texto caminha para se transformar em algo distante da proposta original. O grupo, formado por políticos de alta rejeição popular, agora lidera a articulação em torno do tema. O autor da proposta, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), também se viu constrangido: em entrevistas, admitiu que sua iniciativa não é uma anistia plena. Mais que isso, defendeu abertamente reduzir a pena de Jair Bolsonaro para dois anos em prisão domiciliar. “Condenar um homem de 70 anos a 27 anos de prisão não é uma pena de morte?”, questionou Crivella, sugerindo que a medida teria caráter “reeducativo” e evitaria a perda das patentes de militares condenados.

A frustração foi imediata. Eduardo Bolsonaro (PL-SP), líder da minoria, publicou vídeo rechaçando a ideia de uma versão “light”, afirmando que só apoiará uma anistia ampla, geral e irrestrita.

Na volta, quem também elevou o tom foi Paulo Figueiredo, um dos principais porta-vozes do bolsonarismo nos Estados Unidos. Ele não apenas atacou Paulinho da Força em tom ofensivo, como também disparou: “essa anistia meia-boca vocês podem enfiar no rabo”. Mais do que isso, passou a intensificar as ameaças, agindo como se fosse um emissário do governo Trump. O próprio Figueiredo afirmou ter conversado com autoridades da Casa Branca, garantindo que “vem mais sanção” contra o Brasil. O mais interessante é que insiste em se dizer contra o sistema, quando na verdade representa o sistema imperialista que atua para pressionar o país.

O lado irônico é que tanto Paulo Figueiredo quanto Eduardo Bolsonaro parecem não perceber que, quanto mais atacam as instituições brasileiras, mais rejeição provocam na população, mais inflamam o sentimento nacionalista e mais prejudicam, política e juridicamente, a situação dos golpistas que tentam defender.

O deputado Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde março. Foto: Reprodução/ Redes sociais

Essa postura mostra como a extrema direita continua apostando na instabilidade e na confrontação com as instituições democráticas. O discurso de Eduardo Bolsonaro é direto: sem anistia irrestrita, não há acordo. Na prática, a estratégia é tensionar para criar ambiente favorável a novos ataques às instituições, algo que já não encontra respaldo social. Diferentemente de 2016, quando contaram com apoio da mídia, do Judiciário e de setores do empresariado, agora o bolsonarismo está isolado. A opinião pública, a imprensa e o sistema de Justiça se posicionam contra novas aventuras golpistas.

No cenário internacional, o isolamento é ainda maior. O único suporte estrangeiro de Bolsonaro segue sendo Donald Trump, hoje cada vez mais rejeitado fora e dentro dos Estados Unidos. O ex-presidente americano insiste em políticas unilaterais e agressivas, que vêm isolando o país e aproximando potências como China, Índia e Rússia. O alinhamento automático de Bolsonaro a esse projeto perdeu espaço até entre antigos aliados, que veem na escalada de Trump uma ameaça global.

O resultado, para o Brasil, é claro: a insistência bolsonarista em defender uma anistia inviável acabou fortalecendo a posição de Lula. Ao radicalizar, a extrema direita dá munição para mobilizações populares em defesa da democracia, como as manifestações previstas em todo o país neste domingo. A urgência aprovada no plenário, que parecia vitória, tornou-se mais um tiro no pé. Em vez de pacificar, abriu caminho para maior desgaste de Bolsonaro e para a consolidação de um consenso contra a anistia irrestrita.

Publicado originalmente em O Cafezinho