Publicado na Revista Esquinas
A notícia de que o destino de Guto Franco na noite de 20 de março seria o leito de uma UTI fez o jovem de 20 anos segurar o choro para não assustar o pai, inconformado por não poder visitá-lo. “Passaram várias coisas na minha cabeça. Será que é a última vez que vou ver meu pai? Será que é o último abraço que eu vou dar nele?”.
O tratamento intensivo era cautela indispensável para o estudante de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Líbero. Uma tomografia apontava dois micronódulos causados pelo coronavírus em ambos os pulmões. A médica plantonista foi firme quanto à necessidade de monitoramento. “Ela falou que se eu estivesse em casa e tivesse alguma complicação pulmonar, eu iria morrer. Estando no hospital ela teria chance de me salvar.”
Os primeiros sintomas surgiram quatro dias antes, em 16 de março. Febre alta e calafrios. “Pela minha aparência eu sabia que não estava bem, tive muita dor de cabeça e só queria dormir”, conta. Em São Caetano do Sul, onde Guto mora, ainda não havia casos confirmados. Mas, ao dar entrada no hospital São Luiz, já de máscara, foi levado a uma ala isolada. “Todo mundo lá tinha gripe ou corona. Os médicos e enfermeiros usavam duas luvas em cada mão, máscara, touca, avental. Parecia coisa de filme”, lembra.
Enquadrado no grupo de pacientes que deveriam fazer o teste para coronavírus, saiu do pronto socorro direto para casa, onde aguardaria o resultado. Só deveria voltar ao hospital se a febre continuasse alta ou se tivesse falta de ar. Como não há remédio específico para a covid-19, a médica receitou paliativos usados em caso de gripe, como dipirona. Já em casa, a febre e o cansaço continuaram. Começou a ter dores no corpo, mais um sintoma da doença. “Eu tomava o remédio, aí passava e voltava. Ou então nem passava”.
Guto não estava nervoso em relação ao resultado do exame. “Eu fiquei muito confiante de que não era corona, não tinha tido contato com nenhum doente, para mim era só uma gripe”, conta. Na quinta-feira, recebeu uma ligação do hospital com a confirmação. “Na hora, meu coração quase saiu pela boca”. A enfermeira disse que ele teria que ficar isolado por 14 dias – assim como seu pai, que estava tendo contato direto com ele e provavelmente já estaria infectado. “Eu gaguejava no telefone com ela, não acreditava”, recorda.
Apesar de não fazer parte do grupo de risco, que reúne idosos e portadores de doenças crônicas, o estudante ficou assustado com o diagnóstico. “Ninguém quer ficar doente, né? Ainda mais com uma doença que é o assunto do mundo”. Nos dois dias seguintes, os sintomas só pioraram. Guto passou a sentiu uma dor muito forte nas costas, na região do pulmão. “Eu e meu pai ficamos em choque. Ligamos no hospital e a médica disse para voltarmos lá”. O exame de sangue estava normal. A tomografia, como se sabe, levou-o à UTI.
A noite na Terapia Intensiva foi inesquecível. Contou, inclusive, com a morte, por outros motivos, da paciente que ficava ao seu lado. “Olhei pro teto e comecei a rezar. Muita coisa tinha acontecido naquela semana e nessa hora a gente esquece que não está no grupo de risco. Acho que meu psicológico estava pior que a minha saúde”, afirma.
Um apoio importante veio das mensagens de amigos e familiares. Na segunda-feira, quando nem tinha a confirmação da doença, postou um story no Instagram de máscara, o que rendeu muitas respostas. Sem conseguir responder todos, usou suas redes para atualizar seus conhecidos. Seu perfil ganhou proporção muito maior. “Muita gente rezava, mandava energias positivas e mensagens de força. Foi muito bom naquele momento que eu estava sozinho e com medo”, lembra.
Já no dia seguinte passou para o quarto. Como não apresentava pioras, teve alta 24 horas depois, na segunda-feira, 23. “Só de chegar em casa, tirar as coisas do hospital e tomar um banho me senti muito melhor”, conta. A disposição foi voltando, não teve mais febre e os sintomas foram desaparecendo. Na quinta-feira, 26, sentiu outra vez a dor nas costas e voltou ao hospital. Exame de sangue ok, tomografia, ok: provavelmente, dor muscular. Tomou remédio e realmente não sentiu mais nada. Hoje, já voltou a estudar e trabalhar.
“Só entende de fato a seriedade da doença quando se entra em contato com ela”, diz Guto. “Confesso que no início eu não acreditei, pensei que não era possível. As pessoas acham que é brincadeira, pensam que é só uma gripezinha. Não é. É um momento horrível para o mundo, interfere na vida de muitas pessoas. A gente acha que não vai acontecer com a gente, mas acontece, e é uma situação muito complicada. Acho que muita coisa vai ser diferente depois disso.”