“Não é nada pessoal contra Moro, mas contra o que ele representa”, diz jurista sobre ações contra ex-ministro

Atualizado em 25 de junho de 2020 às 23:10
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro — Foto: GloboNews

Publicado originalmente no RFI

Por Elcio Ramalho

Um grupo de advogados e juristas entrou no início do mês com nova ação na Comissão de Ética Pública da Presidência da República contra o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. No documento, eles o acusam de cometer infrações éticas após Moro ter anunciado que pretende atuar como consultor e trabalhar em um escritório de advocacia, e ainda por ter feito comentários em entrevista à imprensa, após ter saído do cargo, sobre a relação bilateral Brasil e Argentina, a partir de informações privilegiadas.

Na denúncia, o grupo de juristas e advogados diz entender a disposição do ex-juiz de procurar um emprego, como manifestou na sua saída do governo, em 24 de abril, mas esse direito “não o exime de obrigações remanescentes relacionadas ao cargo de ex-ministro de Estado”, como prevê a lei de prevenção ao conflito de interesses, escrevem.

Os signatários lembram o período de seis meses de quarentena que um ocupante de um cargo da administração pública federal deve observar para não configurar conflito de interesses.

Entre as infrações, destaca a ação, estaria a entrevista de Moro ao canal argentino La Nación, em 29 de maio, quando o ex-ministro emitiu opinião sobre a visita do atual presidente argentino Alberto Fernández à Lula na prisão em Curitiba. Entre os trechos citados na denúncia estão declarações de Moro de que o encontro “não fez bem às relações entre os dois países” e de que “não foi um movimento muito apropriado”.“Ele tem que ser responsabilizado porque trabalhou com informações privilegiadas, em especial em relação à bilateralidade do comércio Brasil-Argentina, de todo relacionamento político. Há previsão expressa para punição, de não voltar a ocupar cargo público e ser repreendido inclusive de forma financeira. Tem ‘n’ possibilidades”, defende o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, do qual fazem parte vários signatários da ação. “A gente espera que o caso dele seja pedagógico, que não funcione para que outras pessoas em situação parecida voltem a fazer o que ele fez. Esperamos que ele seja duramente repreendido, uma medida de inteira justiça”, acrescenta.

Em abril, dias depois da demissão de Moro como ministro da Justiça e da Segurança Pública, o grupo de juristas e advogados já havia entrado com uma ação na mesma Comissão de Ética Pública denunciando o ex-juiz por desvios. Entre eles, o de não ter apresentado denúncias contra supostos atos ilegais de Bolsonaro.  

A atuação de Sérgio Moro sempre foi acompanhada de perto pelos integrantes do Prerrogativas, grupo que surgiu em 2014 após a reeleição da presidente Dilma Rousseff. A contestação do resultado da votação na justiça pelo candidato derrotado Aécio Neves (PSDB-MG) está na origem da união de 100 juristas, primeiramente por meio do WhatsApp. Segundo Marco Aurélio de Carvalho, o grupo, criado para defender a democracia e do Estado de Direito, já extrapolou os 256 contatos permitidos pelo aplicativo de mensagens. “Há mais de 400 querendo ingressar”, afirma.

Moro agiu de forma deliberada

Em sua página na internet, o grupo diz ter aberto espaço para outros profissionais e militantes do campo progressista, sem perder de vista um alvo bem definido.

“No momento em que o Brasil atravessa uma crise agravada pela pandemia do coronavírus, o Prerrogativas considera importante resgatar a responsabilidade do ex-juiz no processo que levou Bolsonaro ao poder. Ele foi alçado a esta condição pela ação criminosa do então juiz Sérgio Moro, que tirou das eleições presidenciais o franco favorito, que era o ex-presidente Lula”, afirma Carvalho.

Na entrevista à RFI, o advogado lembrou que o grupo de juristas sempre atuou para denunciar o que chama de “mazelas e legados da Força Tarefa da Lava Jato” devido à atuação de Moro.

“Na época, já denunciávamos que o bolsonarismo poderia nascer como filho legítimo, de pai e mãe, do lavajatismo”, afirma. “Quando vejo Bolsonaro, é inevitável ver, do outro lado da face da moeda, Sérgio Moro. Ele acaba sendo um alvo não por ele próprio, porque ele não tem importância, é um sujeito medíocre, extremamente mal preparado, mas é um símbolo da falência do nosso sistema de justiça”, argumenta .

O coordenador do Prerrogativas esclarece ainda os objetivos dos ataques ao ex-juiz: “É muito menos sobre ele, que é uma pessoa desprovida de inteligência e de despreparo. No direito, de um modo geral, e não precisa ser progressista para enxergar, ele é muitíssimo mal visto, ficou radioativo. É muito menos do que ele representa”.

“A pretexto de combater a corrupção ele cometeu atos gravíssimos que podem ser enquadrados pela legislação brasileira como atos de corrupção. Ele subverteu a ordem do sistema e agiu de forma deliberada para perseguir não só um grupo, mas um projeto político”, acrescenta.

“O que queremos denunciar é que o Sérgio Moro sempre fez política, com a toga. As coisas estão claras, vamos enfrentá-lo nesta arena e ele vai poder mostrar para o Brasil que era medíocre como juiz e que é medíocre como político. A opinião pública vai ter oportunidade, na arena política, de perceber isso”, estima.

Impeachment de Bolsonaro

Além das ações contra Moro na Comissão de Ética Pública, o grupo Prerrogativas também promete novas ofensivas contra o presidente Bolsonaro.

Marco Aurélio fez parte de um grupo de juristas que escreveram um pedido de impeachment encampado por movimentos sociais e assinado por mais de 500 entidades da sociedade civil pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Ele adiantou que o grupo está preparando novo pedido para afastar o chefe de Estado do cargo. “É muito complicado defender o impeachment. Sabemos o que o país está passando, que abriu uma fissura constitucional muito grave e delicada. Nós só tomamos ( a decisão) porque no caso do Bolsonaro há flagrantes e inequívocos casos de crime de responsabilidade, crimes contra a saúde pública, contra a rigidez das instituições. Ele estimula de forma deliberada, inclusive com braço econômico-financeiro, a indústria de fake news. Ele faz um mal enorme para a democracia, para as instituições, ameaça os demais poderes. Ou seja, é um insano, um genocida”, diz.

“E ele não está no governo por acaso, a gente sabe que teve a digital do então juiz Sérgio Moro que de forma deliberada ajudou a alçar à presidência esse beócio que nos governa. Hoje o Brasil tem o desafio de combater o vírus e o verme, instalado na presidência da República”, conclui.