Não é o que parece, a não ser para quem só lê manchete. Por Fernando Brito

Atualizado em 14 de dezembro de 2019 às 14:07
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PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

Lida com calma, a entrevista do governador baiano Rui Costa, do PT, não contém nenhuma contestação a Lula, apesar da manchete da Folha que induz ao contrário.

É sempre a mesma história de apontar Lula como o “radical”, como se sua trajetória, por duas décadas ao menos, não tenha sido a de um conciliador político.

Coisa que, aliás, o próprio Costa afirma:

—Acho natural que quem ficou preso um ano injustamente faça declarações duras. Mas o Lula governou o país durante oito anos como um conciliador. Essa concertação, com empresários, trabalhadores, sociedade, fez com que o governo dele fosse de maior desenvolvimento nos últimos séculos.

A manchete diz que Lula “deve pregar” uma “pacificação” numa crítica à radicalização que seria do próprio ex-presidente. Mas leia o que ele diz:

—Temos de pregar a pacificação do país, cortar a discriminação e o ódio. Antes, as pessoas tinham vergonha de manifestar preconceito. Agora parece que têm orgulho. Certamente essas pessoas existiam, mas ficavam no armário. Precisamos que elas voltem para seus armários.

Alguém discorda de que discriminação, ódio e preconceito seja armas da direita, desembainhadas todo o tempo por este governo?

Claro que Costa adota um tom moderado, que traduz a soma de seu orientação pessoal com o lugar delicado que ocupa, como governador de um Estado num país onde o poder central está disposto a tratar com água e farinha – e poucas – governantes de esquerda. E há uma pitada, sempre presente, de um político até agora regional em projetar-se num veículo de comunicação “nacional”, entendido isso como basicamente paulista.

Curioso procurar intrigas com fatos com frases “há dez anos, o sr. seria chamado de entreguista por conceder a um grupo chinês a ponte que ligará Salvador a Itaparica”. Será que sobrou, depois da Lava Jato, empreiteira em condições de bancar este investimento, para receber daqui a anos, em pedágio? E, ainda que tivessem, a Folha não colocaria em manchete “Governador do PT concede ponte a empresa envolvida na Lava Jato?

E quando os governos petistas se opuseram a desenvolver projetos em parceria com grupos privados, daqui ou de fora?

É claro que depois de 40 anos de vida política a chance de Lula ser atraído para uma disputa interna em seu partido por uma história destas é absolutamente zero.

Isso é para os espiroquetas da pureza absoluta que se deixam levar por um título de jornal. Tanto como seria tolo que, a esta altura, vaidades e ambições não estariam excitadas em pretenderem-se ser “o PT autocrítico”, da mesma forma como há direita que sonha em ser o “mas eu não sou Bolsonaro”.

Por algumas linhas no jornal, vão se apressar em responder ao que não foi dito, senão na manchete. É assim mesmo e líder de verdade tem couro duro, não fica dando patadas feito Bolsonaro.

O que define polarizações não é a escolha pesoal de Lula, é a realidade do processo político-social.

E com o que temos hoje, não há como propor-se a ter os pés em dois barcos, porque o mar está por demais agitado.

Isso não é “ser teimoso” ou “radical”. É reconhecer que quer quer a pacificação do Brasil terá de preparar-se para uma batalha política na qual, até agora, não há outro que reúna tanta capacidade de comandá-la quanto o ex-presidente.

Rui Costa reconhece isso na entrevista e sabe que suas chances eventuais de ser o candidato do PT dependem de uma ignomínia: excluir, de novo, Lula da disputa eleitoral.