Não é só Edir Macedo: inúmeros líderes religiosos têm passaporte diplomático

Atualizado em 17 de abril de 2019 às 16:21

Publicado no Justificando

Edir Macedo

POR JANA VISCARDI

Costumo acordar já dando uma olhada nas notícias que aparecem no Twitter. É uma maneira prática de acompanhar, ao menos parcialmente, o que está acontecendo e gerando burburinho nas redes.

Hoje de manhã, não foi diferente. Abri o Twitter para ver o que havia de novo no Brasil e no mundo. Lá encontrei inúmeras pessoas indignadas com, de acordo com o que diziam os jornais, a concessão de passaporte diplomático por Bolsonaro para Edir Macedo e sua esposa. Muitos eram os retweets das notícias falando sobre a concessão. Eu também me indignei e, prontamente, retweetei o incômodo de uma pessoa conhecida.

No instante seguinte, um lampejo: como será que funciona a concessão de passaportes? O que dizem as notícias? EstadãoUOL – replicando o Estadão – e Veja pontuaram brevemente que Bolsonaro havia concedido o passaporte. Nas manchetes:

Tanto as manchetes quanto as matérias que rapidamente noticiavam a questão não deixaram qualquer indicativo de que essa concessão não é novidade. O leitor pode depreender daí, portanto, que é a primeira vez que Edir Macedo recebe o tal passaporte. Qual não foi minha surpresa, no entanto, ao tentar buscar melhores informações sobre o assunto e descobrir que 1) não só Edir Macedo, mas inúmeros líderes religiosos recebem o benefício; 2) Edir Macedo teve seu primeiro passaporte diplomático concedido ainda em 2006. Essas informações apareceram, no momento da minha busca, apenas na reportagem veiculada pela revista Exame, que traz maiores detalhes sobre como acontecem as concessões e traz alguns exemplos de casos concedidos.

E por que é que estou dizendo tudo isso? Porque a linguagem tem aqui papel importante em definir como direcionamos nossa indignação: ao dizer que Bolsonaro CONCEDE passaporte, não fica claro que há tempos esse benefício é concedido. Quando a notícia, breve, apenas mostra a decisão no Diário Oficial, mas não traz um histórico da concessão para aqueles indivíduos, pronto, está feita a bomba da indignação de um suposto novo beneficiamento que parece surgir. Assim, você, que critica Bolsonaro, pode vir a questionar de maneira equivocada o problema. E você, que defende Bolsonaro e essa decisão, pode também vir a vangloriar uma iniciativa que sequer é novidade.

Para que as notícias, mesmo que curtas, expressem o que de fato está acontecendo nesse processo de concessão é preciso que elas informem, já em suas manchetes, que Bolsonaro RENOVA a concessão de passaporte diplomático a Edir Macedo. Será possível, a partir daí, e da construção, no texto, de um breve histórico das concessões de passaportes diplomáticos a líderes religiosos, fazer uma crítica (ou defesa) mais aprofundada à concessão e renovação de passaportes diplomáticos (quem os recebe? Por quê?).

Sei que não é uma prática ou possível ou corrente para boa parte das pessoas, mas para quem se propõe a compartilhar as informações, deixo uma dica: cuidado com as manchetes sensacionalistas. Espalhar só a confusão não enriquecerá o debate – e os questionamentos. E se você é daqueles que insiste em falar das mamatas dos governos anteriores, uma dica: questione o presidente sobre o porquê de voltar a conceder o passaporte diplomático a Edir Macedo, quando é ele quem tanto fala do fim das tais mamatas.

 

Jana Viscardi é doutora em Linguística pela UNICAMP, com passagem pela UniFreiburg, na Alemanha. Professora e palestrante, faz vídeos semanais sobre linguagem e comunicação (e otras cositas más) no canal do Youtube que leva seu nome.