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“Não é um filme só para brasileiros”, diz diretora do documentário sobre o golpe. Por Wellington Almeida

A diretora Maria Augusta Ramos

‘O Processo’ mostra o desenrolar do impeachment que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff da presidência da república em 2016. O filme de quase duas horas e meia de duração é o resultado de mais de 450 horas de filmagens dos bastidores da defesa comandado pelo advogado José Eduardo Cardozo e pela senadora Gleisi Hoffman. A diretora teve acesso a reuniões e conversas privadas dentro do plenário e expõe, em ordem cronológica, a farsa política que tomou conta do Brasil em agosto de 2016. Falamos com Maria Augusta Ramos em Berlim, quando o filme teve estreia mundial na 68ª edição da Berlinale.

Como você teve acesso aos bastidores da defesa e àquelas reuniões de portas fechadas?

Eu entrei em contato com o jurídico, com os assessores do [ex-ministro da Justiça] José Eduardo Cardozo, que estava fazendo a defesa da Dilma, e como eu já tinha um histórico dentro do judiciário, com os meus filmes anteriores (‘Justiça’, ‘Juízo’ e ‘O Morro dos Prazeres’), então isso ajudou um pouco. Principalmente com o Justiça (2004) e Juízo (2007), que se tornaram documentários importantes dentro do judiciário progressista brasileiro. Então, quando eu me apresentei, eles já me conheciam dos meus filmes anteriores, sabiam que eu era uma cineasta séria e isso me abriu portas e ganhei a confiança deles.

O Processo é um filme que é quase uma tese acadêmica: longo, minucioso e, às vezes, até hermético. Na sessão que houve para a imprensa em Berlim, alguns jornalistas abandonaram a sala no meio da projeção. Esta escolha de fazer um filme para iniciados foi deliberada?

Eu não tenho uma preocupação para quem eu estou fazendo o filme, eu não tenho em mente um público-alvo. É claro que eu quero comunicar algo, que é o meu objeto do filme e eu uso toda uma técnica de filmagem e edição para comunicar isso. Mas talvez não seja um filme fácil para estrangeiros se bem que eu conheço muitos estrangeiros que assistiram, como o jornalista da Variety, e que gostaram do filme. Então eu não acho que é um filme só para brasileiros. Mas certamente não é um filme didático, que vai explicar todos os meandros ou até mesmo justificar tudo o que aconteceu. É um filme que segue a minha linha cinematográfica, que é apresentar os fatos, dentro de uma narrativa que é muito baseada em personagem e aí você acompanha todo o processo através destas personagens e essa narrativa te leva então a refletir sobre o que aconteceu. Essa é a proposta.

Ainda sobre esta sessão que houve para imprensa em Berlim. Teve um grupo de pessoas entregando um panfleto sobre a prisão do Lula na porta do cinema e convidando as pessoas a participarem de uma passeata em Berlim no dia 21, dia da estreia do seu filme. Onde fica a linha tênue que separa a cineasta da ativista? Te preocupa o fato que o seu filme possa ser encarado também como um panfleto?

Veja bem, o meu posicionamento é o de documentarista. Claro que eu tenho a minha vivência do mundo, como pessoa política e social. Mas quando eu vou filmar, eu vou em busca de informação, de aprender mais e, assim, ir formando a minha opinião enquanto estou fazendo o filme e tentando entender todos os meandros e complexidades do processo e pensando outras possíveis narrativas. É por isso que eu faço filmes e os meus filmes são o resultado deste processo de descoberta. Eu não quero explicar nada, eu quero levantar questões. E foi assim com os meus filmes anteriores também. Portanto, eu não sou uma ativista, eu sou uma cineasta, uma artista. Uma cineasta que pensa e que tenta pensar a realidade.

Quase toda a imprensa internacional denunciou a farsa política que foi o impeachment da ex-presidenta Dilma mas houve uma certa omissão por parte da grande mídia brasileira. O que você acha que provocou essa inabilidade de olhar para os fatos de forma imparcial?

Primeiro, eu não acho que existe mídia imparcial. Acho que podemos falar de diferentes narrativas e que eles se apegaram a uma determinada narrativa por causa de interesses econômicos e políticos. Mas o importante pra mim, agora, é falar sobre o filme e não sobre o que eu acho disso e daquilo. Afinal, o filme é o meu statement sobre o que aconteceu. Eu acho muito complicado ficar tentando explicar uma coisa ou outra. Mas enfim, resumindo, é isso: existe uma vontade da grande mídia de afastar o partido dos trabalhadores do poder.

Houve alguma dificuldade no processo de fazer o filme ou teve alguém que não queria que ele fosse feito?

Então, na câmara dos deputados eu não consegui permissão para filmar. Na época, o Eduardo Cunha era presidente. No Senado já foi bem diferente, nós conseguimos a autorização do presidente do senado, na época o Renan Calheiros. Mas talvez porque fazer documentário, lá dentro do plenário, não tem o mesmo estatuto para eles do que a mídia normal. Quero dizer, nós não estamos ligados a nenhum veículo, somos independentes. Se houve dificuldades? Sim, claro mas não tivemos nenhum tipo de censura lá dentro.

A ex-presidenta Dilma viu o seu filme?

Viu.

Ela te disse o que ela achou?

Disse. Mas eu acho melhor você perguntar para ela (risos).

Diario do Centro do Mundo

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