Não entendo a esquerda que lava as mãos na disputa entre Biden e Trump. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 2 de novembro de 2020 às 9:58
Joe Biden e Donald Trump. Foto: Jim Watson/AFP; Saul Loeb/AFP

Originalmente publicado no FACEBOOK

Por Luis Felipe Miguel

É difícil se empolgar com Biden, mas é claro que uma nova vitória de Trump, na terça-feira, seria uma catástrofe. Confesso a vocês que não consigo entender a parte da esquerda que opta por lavar as mãos quanto à disputa pela presidência dos Estados Unidos.

Biden promete uma reedição do governo Obama sem o simbolismo e o charme de Obama. Um governo 100% a serviço dos interesses dos donos do Império. É verdade.

Mas Trump é tudo isso e acrescenta irracionalidade, descontrole, misoginia, homofobia e racismo abertos. É um governo que abre as portas para supremacistas brancos, fundamentalistas cristãos, neonazistas. Que aposta na destruição do meio ambiente e na violência ostensiva como reguladora das relações sociais. Que nega o valor da igualdade, o respeito às diferenças e os direitos.

Qual é a matriz de análise política que julga que tudo isso são “detalhes” e que Trump e Biden não têm diferença?
São muitos os desafios pela frente. O primeiro é vencer as eleições, já que não só o jogo é pesado como o sistema eleitoral estadunidense é cheio de armadilhas.

O segundo desafio é tomar posse. Trump tem anunciado que não aceitará a derrota e é possível que lance mão de todos os recursos de que dispõe para gerar um impasse de desfecho imprevisível.

O terceiro desafio é governar. A derrota de Trump não significa que os monstros que saíram às ruas vão se recolher de novo. Os extremistas de direita estão empoderados e continuarão dando muito trabalho.

O Partido Republicano é também motivo de preocupação. Quando Trump venceu as primárias, em 2016, os caciques do partido anunciaram que manteriam distância. Pouco a pouco, todos foram sendo cooptados pelas vantagens do poder. Há décadas o GOP – “Grand Old Party”, como os estadunidense o chamam – desliza cada vez mais para a direita, mas nos últimos anos os limites restantes foram ultrapassados. Os democratas podem esperar uma oposição parlamentar hostil, desleal. Caso não produzam maiorias nas duas casas, um eventual governo Biden será paralisado.

O maior desafio, porém, será fazer oposição pela esquerda a Biden. Trump, como Bolsonaro, também cumpre sua função ao perder. Faz com que o establishment político apareça, por contraste, como dotado de virtudes. Reduz o horizonte da luta política à restauração da ordem que a extrema-direita rompeu. Será grande a tentação de ter como prioridade proteger Biden contra a agressividade do trumpismo derrotado, abrindo mão assim do próprio programa.

Na esquerda do Partido Democrata e nas ruas, há um renascimento do progressismo estadunidense. A presidência Biden será sua prova de fogo.