“Não esqueça da minha Caloi”: Nascido fora do casamento, a luta de Fábio ajuda o Brasil a superar a vergonha da Casa Grande & Senzala

Atualizado em 27 de dezembro de 2020 às 10:22

Em junho, o Fantástico contou a história de Fábio Caloi, filho que o milionário Bruno Caloi teve fora de um casamento oficial e outro paralelo.

A notícia voltou à tona na véspera de Natal, quando Fábio, em entrevista, disse que receberá tudo a que tem direito nem que leve 100 anos.

Por enquanto, ele é vítima de uma aparente trama que coloca na sua conta uma dívida superior a R$ 300 milhões contraída pela Caloi ainda nos anos 90.

Outra dívida, de cerca de R$ 44 milhões, ele já não terá de pagar, porque a Justiça reconheceu que, se o credor perdoou os filhos de um casamento oficial e do paralelo, não faria sentido manter a dívida em relação a Fábio.

O caso revela que Bruno Caloi deixou uma herança cultural que transformou irmãos em inimigos.

A origem está no envolvimento do empresário com sua secretária, Eunice Milantoni, vinte anos mais nova. Bruno teve o casamento oficial, e dele nasceram cinco filhos. No casamento paralelo, teve duas filhas.

Durante esse tempo, como não é incomum no mundo corporativo, mantinha relações sexuais com a funcionária. Em 1978, ela engravidou e, em 1979, nasceu Fábio.

Enquanto se apresentava à sociedade como empresário bem-sucedido e filhos educados com o melhor que o dinheiro pode oferecer, Fábio vivia com a mãe em uma casa de Taubaté que Bruno Caloi ajudou a comprar, de dois quartos “mal-ajambrados”, conforme contou ao blog Graal do Pedal.

Foi Bruno Caloi que mandou os dois para lá, mas não cortou os laços totalmente.

Além de ajudar a comprar uma casa modesta, ele mandava todos os meses cerca de R$ 1.500. Mas não era suficiente para mãe e filho, e Eunice administrava uma pequena loja de bebidas.

Até os 25 anos, Fábio viu o pai cerca de doze vezes, sempre em restaurantes ou saguão de aeroporto. O cumprimento era com aperto de mão.

Na entrevista ao blog de ciclistas, Fábio contou que o empresário ligava uma vez por mês para saber como estavam. Mas, em 2005, parou de ligar e de enviar a mesada.

E ele procurou a fábrica e a casa do pai. Não o atenderam. E ele foi pessoalmente à empresa de ar-condicionado que o pai tinha com a mulher do casamento paralelo.

Encontrou o antigo capitão da indústria em uma cadeira de rodas, com um enfermeiro. Soube que ele teve um AVC e viu que ele mal conseguia falar ou mexer braços e pernas.

Fábio ouviu, porém, que Bruno já não podia fazer nada por ele, pois dependia dos outros.

A mulher do casamento paralelo teria colocado R$ 150 reais na mesa para que fosse embora e nunca mais voltasse. Fábio não aceitou o dinheiro, alguns meses depois Bruno morreu e ele iniciou na Justiça um processo para reconhecimento da paternidade.

Em 2017, 11 anos depois, a Justiça reconheceu que Fábio era filho de Bruno Caloi, mas nesta ocasião já tinha sido concretizada uma operação financeira que fez de Fábio, em vez de legítimo herdeiro de bens do antigo milionário, devedor.

Pode-se estar diante de uma fraude monumental, que a Justiça pode desmontar.

Fábio, que é formado em administração e vive com salário de R$ 1.600,00, é o exemplo de um país que não superou a cultura da Casa Grande e Senzala.

Ele é filho da Senzala, teve alguma migalha, mas nada do que se pode considerar justo.

A Caloi, que já foi uma das maiores fabricantes de bicicleta do mundo, tinha um slogan publicitário que ficou famoso:

“Neste Natal, não esqueça da minha Caloi”.

Ao que tudo indica, Bruno e seus descendentes dos dois casamentos esconderam a bicicleta de Fábio.

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Veja o vídeo com a reportagem que a Globo exibiu no Fantástico.

Texto atualizado em 27/12/2020, às 10h15.