“Não existe coisa pior que ser confortada por um homem quando você está chorando por outro”

Atualizado em 9 de junho de 2015 às 1:52

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“Pedro? Carol. Pode falar?”

Como se ele não pudesse falar com Carol. Pedro sempre pudera. Jamais deixara de atendê-la, mesmo quando não deveria.

“Claro, claro.”

“Olha. Eu tinha decidido não ligar mais para você. Terminamos e pronto. Mas. Sei lá. Fiquei chateada com o que você escreveu sobre mim. Tinha que falar com você.”

Pedro parou para pensar. Que se lembrasse, só escrevera coisas doces sobre Carol. Mesmo quando ela decidira ficar com o marido banqueiro e deixá-lo Pedro, pelo menos assim pensava ele, fora doce. Apoiara a decisão dela.

Ou não?

Sim, fora doce, agora tinha certeza. Poderia ter dito que ela era calculista. Que colocava o dinheiro do marido banqueiro antes do amor. Mas não. Aceitara a escolha dela, e no conto em que narrara a despedida sublinhara a beleza, a inteligência e a classe natural de Carol.

“Que eu escrevi, Carol?”

Pedro sabia que a possibilidade de desagradar alguém ao escrever era muito maior que a de agradar. Mas não havia nada que pudesse fazer em relação a essa maldição dos escritores.

“Você me tratou como uma mulher frívola, fútil. Como, como, como. Como uma simples mulher de banqueiro. Como se eu tivesse me casado com ele por interesse. Como se eu fosse uma vulgar alpinista social. Foi vingança, não foi, Pedro? Você me descreveu daquele jeito para se vingar de mim. Olha. Eu nem deveria ter ligado para que você não soubesse que me magoou tanto. Mas meus dedos discaram seu número sem que eu conseguisse detê-los.”

Pedro desligou o aparelho de som em que ouvia Seems Like Old Times. Parece como nos bons tempos. Era uma de suas músicas favoritas, e era em Carol que estava pensando enquanto escutava Seems Like Old Times. Não imaginava que ela fosse telefonar para ele, e várias vezes se controlara para não ligar para ela. Era um acerto entre os dois. O marido poderia ficar desconfiado. Era ela quem lhe telefonava. Ele não rompeu a regra mesmo depois de separados por uma espécie de respeito póstumo. Ao mesmo tempo em que desligou o aparelho, riu. Sua intenção fora escrever um tributo de amor, não uma vingança.

“Pedro. Sempre achei você melhor falando do que escrevendo”, Carol disse. “Outras mulheres podem achar o contrário, mas meu Pedro sempre foi aquele cara que falava, não o que escrevia. Daquele Pedro eu sinto saudade de vez em quando, admito. Do que escreve tenho raiva.”

“Eu também tenho raiva do que escrevo com mais freqüência do que você imagina, Carol. Se eu soubesse fazer outra coisa que não fosse escrever já tinha parado há muito tempo, Carol.”

Pedro gostava de falar “Carol”. Era um nome que ele achava que soava bem. Curto, forte. E tão bonito quanto a dona.

“Mulher de banqueiro. Frívola. Pedro. Você quis me ridicularizar? Você sabe que eu sou uma guerreira. Tenho meu próprio negócio. Que eu montei antes de conhecer meu marido. E é com o dinheiro do negócio que sustento muitas pessoas. Mulher de banqueiro. Você usou essa expressão para me insultar, não foi, Pedro? Se você soubesse como me fez chorar quando eu li aquilo. Meu marido me perguntou por que eu estava chorando, e eu não podia dizer que era por sua causa. Ele queria me consolar, mas isso me irritava ainda mais. Não existe coisa pior que ser confortada por um homem quando você está chorando por outro.”

Pedro gostou da frase. Não existe coisa pior que ser confortada por um homem quando você está chorando por outro. Um dia a usaria em algum conto ou romance que escrevesse.

Pedro ficou calado. Não adiantava dizer que não. Carol jamais se deixara convencer fácil, e muito menos quando estava com raiva. Ele de fato quisera agradá-la ao escrever sobre o caso de amor entre os dois, mas ela jamais acreditaria nisso. Uma jornalista amiga dele, editora de uma revista feminina, dissera que o conto daria um filme.

“Pedro. Eu não sou nenhuma Pattie.”

Ele riu. Pattie. A linda e preguiçosa mulher de George Harrison. Era modelo, e parou de trabalhar quando se casou com George. Pattie trocara George por Eric Clapton. George mantinha uma conta para Pattie na Harrods de Londres. Depois que ela partiu para Eric foi um dia à Harrods, fez uma supercompra e ficou surpresa ao saber que George encerrara a conta. Na autobiografia de Pattie, que Pedro leu e depois passou para Carol, esta história estava contada com candor.

Ela riu ao falar de Pattie. Pedro adorava o som de sua risada ao telefone. Em momentos de tristeza ele se confortava ao ouvir a risada de Carol ao telefone.

“Pedro?”

“Carol. Carol?”

“Sinto falta das nossas conversas sobre livros. Terminei de ler outro dia um Proust e queria tanto ligar para você.”

Proust. Ocorreu a Pedro uma frase proustiana. Os refrões da felicidade perdida. Por que a gravara entre tantas outras frases de Proust? Proust antes de virar escritor pensara no direito, mas depois refletira que por mais que se esforçasse não podia imaginar nada pior que um escritório de advocacia.

Carol fora da raiva à nostalgia. E agora silenciava. Teria desligado?

“Carol?”

Passaram-se alguns segundos, até que a voz dela se ouviu.

“Pedro. Você está apaixonado por outra mulher?”

Pedro riu.

“Boba. Sabe aquela música? Pois é. Vai valer sempre. Mesmo você longe, perdida, para sempre perdida, nas terras frias do nunca mais, nunca mais, nunca mais. Mesmo assim. Você é a primeira, a última, tudo.”