Não existe “mas” no repúdio ao atentado a Lula. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 29 de março de 2018 às 16:35

Texto publicado no Facebook do autor.

A única resposta admissível ao atentado contra a caravana de Lula é o repúdio absoluto e sem ressalvas. Não existe “mas”. Um líder político estava em campanha pelo país e foi atacado a tiros. Ponto.

A Folha de S. Paulo destacou hoje, já na capa, que Alckmin mudou o discurso e está dizendo que toda a violência deve ser condenada. Mas a própria Folha mudou o tom, em direção contrária, e a cobertura mais sóbria de ontem deu lugar a acusações às vítimas. O editorial passa rapidamente pela condenação ritual da violência para chegar a ataques a Lula e ao PT. Critica Alckmin por ter falado “estão colhendo o que plantaram”, mas faz a mesma coisa. Diz que o PT “é identificado com os frequentes e deploráveis atos de vandalismo promovidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seus congêneres” e o associa implicitamente ao que chama de “surto de violência anarcoesquerdista dos black blocks”. É isso: vivemos no país que vivemos, mas a violência é culpa dos movimentos sociais. Depois, o editorial deixa claro que, para a Folha, o pior do episódio é reforçar “o papel de vítimas que petistas assumem de modo farsesco para livrar-se das sólidas acusações que os colocam no estado de prestar contas à Justiça”.

Ao lado do editorial, a coluna de Roberto Dias, que consegue ser um dos piores jornalistas da Folha, usa Vicente Matheus para minimizar a agressão contra Lula (“quem sai na chuva pode se queimar”) e insinua que o ataque foi buscado pelo PT (para se vitimizar, é claro). Em seguida, Bruno Boghossian, que entrou no jornal para ocupar a posição de voz da centro-esquerda (cada vez mais desbotada), elabora a tese de que o atentado é um indício da frustração daqueles que querem Lula preso. Em suma: tem que prender o homem (apesar do artigo 5º da Constituição) para pacificar o país.

Pior, para mim, é ver uma parte da esquerda rebolando para evitar prestar solidariedade ao Lula. Uma parte bem menor, é verdade: o belo gesto de Boulos e Manuela em Curitiba, ontem, mostra que as principais lideranças não embarcam nessa. Vejo um discurso que é como se tivéssemos que “escolher” entre Marielle e Lula, o que me parece um absurdo. No Rio ocorreu uma tragédia, duas pessoas perderam a vida. Mas, como indício da espiral ascendente da violência política no país, o atentado no Paraná não é menos relevante.

Achei particularmente chocante uma postagem, que me mostraram agora, de um professor que é considerado guru por alguns.

Esse mesmo professor, cerca de um mês atrás, suspendeu por uns instantes suas então elevadas pretensões político-eleitorais para zombar dos cursos sobre o golpe de 2016 – que, aliás, ele nega que tenha sido um golpe, nisso se juntando a Olavo, Constantino e Mendonça. Dizia ele que o MEC devia estar preocupado era com ele, que ia dar aulas sobre Marx! Bom, eu também dou aulas sobre Marx, assim como milhares de colegas pelo Brasil afora, e não gostaria de que ameaças recaíssem também sobre elas. A brincadeira mostra enorme insensibilidade diante da gravidade da situação que vivemos. Ou talvez ele ponha muita fé no fato de que, em geral, a única reação que certo marxismo acadêmico é capaz de provocar são bocejos…

Pois agora ele diz o atentado contra a caravana está sendo “magnificado” pela propaganda petista, com objetivo de anunciar uma “suposta” onda fascista para “deseducar” as massas e desviar a esquerda de seu principal objetivo, que é… distanciar-se de Lula. É uma cegueira deliberada provocada por vaidade doentia. É uma demonstração brutal do quadro psicanalítico de alguns integrantes da nossa extrema-esquerda, que nunca vão perdoar Lula por não ser aquilo que eles projetavam que ele seria. É uma irresponsabilidade diante do cenário gravíssimo em que nos encontramos. E é uma incrível ignorância da história.

Felizmente, o tal professor não tem uma fração da influência política que finge ter. Suas declarações têm impacto insignificante. Mas o discurso que ele veicula, que minimiza a dimensão do retrocesso em curso no Brasil para preservar a proporção de sua pretensa radicalidade em relação a outras correntes do campo popular, é de fato, como dizem por aí, a esquerda que a direita gosta.