Não há como comparar Bolsonaro com Macri. A Argentina não aceitaria um apologista da tortura. Por Moisés Mendes

Atualizado em 12 de agosto de 2019 às 17:21

Publicado no blog do Moisés Mendes

Bolsonaro e Macri. Foto: Reprodução

POR MOISÉS MENDES

A vitória do peronismo kirchnerista nas prévias argentinas induz parte das esquerdas brasileiras, no entusiasmo, a enxergarem Maurício Macri como uma espécie de Bolsonaro portenho finalmente a caminho do fracasso. Não é bem assim. Não há ninguém como Bolsonaro.

Macri é a expressão da direita arcaica argentina, líder de uma família considerada mafiosa, mas não é um Bolsonaro. Tem pai (já morto) e irmão envolvidos com corrupção. Mas quase nada do que diz e faz o aproxima de um legítimo Bolsonaro.

A política argentina não aceitaria um Bolsonaro completo. É impensável imaginar-se alguém que defenda pública e impunemente a tortura na Argentina. Muito menos no Uruguai.

Na Argentina, um representante da extrema direita, o deputado Alfredo Olmedo, tentou ser candidato a presidente em outubro e não emplacou.

O homofóbico Olmedo, do Partido Salta Somos Todos Nós, defende a construção de um muro entre a Argentina e a Bolívia, para evitar o tráfico de drogas. Mas ainda não é um Bolsonaro. Lá, a extrema direita é mais folclórica do que perigosa.

No Uruguai, chegaram a propagar que Juan Sartori, candidato derrotado nas prévias do Partido Nacional, seria um novo Bolsonaro.

Sartori tinha a simpatia de Bolsonaro, tentava apresentar-se como anti-sistema, como apolítico e imune à corrupção, porque é um bilionário que não precisa se corromper (como se isso servisse de habeas). É um direitoso, mas não é um Bolsonaro. E foi rejeitado pela direita uruguaia.

Nem o empresário uruguaio Edgardo Novick, do Partido de la Gente, que faz o mesmo discurso de que vai caçar bandidos e traficantes e moralizar o país, é um Bolsonaro.

O que a Argentina fez agora, contrariando muitos dos que viam a América Latina correndo em direção a novos Bolsonaros, foi se proteger de novo no peronismo kirchnerista.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner são o contraponto à direita macrista, mas não são tão de esquerda como muitos brasileiros pensam que possam ser.

Os próprios peronistas consagraram, desde o momento da escolha do centrista Alberto Fernández, que a salvação para o kirchnerismo será andar para o centro. Até Macri escolheu um peronista como vice (Michel Pichetto), na tentativa de se reeleger. Não caminhou para a direita, mas para o centro, um pouco até para a esquerda.

Na América Latina, a radicalização que transforma uma excrescência em expressão política relevante só existe no Brasil. Não há como tentar transferir para os vizinhos um fenômeno nacional. Nem o golpista venezuelano Juan Guaidó seria um modelo bolsonarista.

Não há, em nenhum vizinho, alguém capaz de defender torturadores, como Bolsonaro faz, ou simular que irá matar inimigos, como retórica política formadora de base de apoio capaz de levar à presidência da República. Só aqui.

Outros países têm políticos que atacam gays, negros, mulheres e índios e disseminam o ódio e a violência. Mas sem a expressão eleitoral de Bolsonaro.

A democracia brasileira elegeu, a partir do golpe de agosto de 2016, a criatura que talvez estivesse apenas hibernando para finalmente expressar o caráter dos nossos ricos e as ignorâncias dos nossos pobres.

Não busquem Bolsonaros em outros lugares. Eles não existem com esse poder destruidor da extrema direita brasileira, porque não chegaram ao poder e talvez nunca cheguem.

Não há semelhança nos outros direitistas latinos que possa nos consolar. Bolsonaro presidente é uma aberração nacional, verde-amarela, genuína, terrivelmente única.