Não há esperança para a democracia enquanto o nó da democratização da mídia não for desatado. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 16 de fevereiro de 2020 às 14:58
Logotipo da Globo. Foto: Divulgação

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR LUIS FELIPE MIGUEL, cientista político

No final dos anos 1970, diante das grandes greves do ABCD paulista, a Rede Globo optou por mentir descaradamente. Exibia imagens de arquivo como se fossem novas: os pátios das montadoras lotados, para mostrar que a produção estava a todo o vapor. E, claro, um discurso agressivo contra os trabalhadores e os sindicatos.

Quer dizer: não tem greve, mas os grevistas são inimigos do Brasil. Uma coisa tipo Moro diante da VazaJato.

Hoje, com a internet, fica mais difícil investir nesse tipo de falsificação.

Mais importante: o resultado não é inteiramente o esperado. Mesmo que seja para noticiar o “fracasso” da greve e a “sordidez” dos grevistas, está lá a lição de que esse tipo de luta é possível.

Sobre isso, há o bom livro de Carlos Eduardo Lins da Silva, Muito além do Jardim Botânico, que mostra como o noticiário enviesado sobre as greves do ABCD contribuiu, mesmo assim, para animar a luta de trabalhadores rurais.

Por isso, diante da greve dos petroleiros em curso, a mídia corporativa opta por outra estratégia: o silêncio.

Silêncio desonesto. Silêncio criminoso.

Silêncio que revela, por si só, que não há esperança para a democracia enquanto o nó da democratização da mídia não for desatado.

De forma lapidar, Janio de Freitas denuncia a hipocrisia da imprensa, que posa de vítima de Bolsonaro mas é cúmplice ativa de suas políticas: “Os que publicam críticas à censura de livros, como devem, não fazem cobertura da greve”.

São mais de 20 mil trabalhadores de um setor estratégico de braços cruzados, em 56 plataformas e 12 refinarias, há mais de duas semanas. Como isso não é notícia?

O problema é que, há anos, o esforço tem sido dizer à classe trabalhadora que ela não tem como resistir.

Que vai perder seus direitos, sua aposentadoria, seu poder aquisitivo, seu emprego, e não pode fazer nada. Que aperte os cintos, que pedale pro UberEats pra tirar um troco.

Que toda solução é individual, que sindicato não serve para nada, que classe não existe.

Os petroleiros desmoralizam esse discurso. Por isso, a censura é imposta.

Afinal, não é como se o jornalismo brasileiro tivesse alguma credibilidade para perder.