Não há “rombo”. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 31 de janeiro de 2024 às 20:46
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Reprodução

O déficit primário no ano de 2023 foi de 230 bilhões de reais. Esse valor corresponde ao que o governo gastou mais do que arrecadou.

O cálculo é bem simples.

A receita total do governo federal (também chamado de “governo central”) em 2023 foi de R$ 2,35 trilhões, uma queda real de 2,8% sobre o ano anterior.

Essa queda em relação ao ano anterior não é um problema, porque a receita de 2023 foi razoável, a segunda melhor da nossa história econômica, só inferior à do ano anterior, que por sua vez havia sido inflada pela venda da Eletrobrás.

Dessa receita total, porém, é preciso subtrair as transferências para estados e municípios, descritas em alguma tabelas como transferência de repartição de receita, e daí chegamos à receita líquida, que é o montante usado para se calcular o resultado primário.

Em 2023, as transferências para estados e municípios totalizaram R$ 452 bilhões, de maneira que a receita líquida ficou R$ 1,89 trilhões.

Fonte: Tesouro Nacional

As despesas totais do governo federal, por sua vez, totalizaram R$ 2,12 trilhões. Daí chegamos a um resultado primário negativo, como adiantamos, de R$ 230,5 bilhões. O número foi prejudicado pela decisão do governo de pagar uma dívida de R$ 92 bilhões do governo anterior, referente aos chamados “precatórios”, que são dívidas que o governo tinha com pessoas físicas e jurídicas.

Lula teve que limpar essa bagunça da gestão anterior. Não fosse esse pagamento, que o governo poderia ter empurrado para os anos seguintes, o déficit primário seria de R$ 138 bilhões, inferior aos outros déficits que vimos nos últimos anos.

Entretanto, uma análise das contas públicas não pode ser feita sem olhar para a evolução da dívida. Este é um número ainda mais importante do que o resultado primário, porque revela a capacidade do governo de financiar suas despesas e investimentos.

É aí que temos os melhores sinais de que as contas públicas vão bem, obrigado. A dívida bruta do governo federal, por exemplo, que havia subido a 88% do PIB em outubro de 2020, no auge da pandemia, vem declinando expressivamente desde então, e agora está 74% do PIB. É um nível baixo, quando comparado a outros países.  A dívida bruta soma a dívida interna e externa, e ignora as reservas internacionais.

Quando olhamos separadamente para as dívidas interna e externa, e para a evolução das reservas internacionais, os números também são positivos. A dívida interna, que chegou a quase 77% do PIB em outubro de 2020, agora está abaixo de 65% do PIB. A externa, que havia passado de 11% do PIB em 2020, agora está em 9%.

O Brasil concluiu 2023 com um total de 355 bilhões de dólares em reservas internacionais. Esse montante age como uma espécie de “poupança” em moeda estrangeira, servindo de proteção contra crises internacionais.

Isso indica um aumento de 9,3%, equivalente a 30,3 bilhões de dólares, comparado ao nível de reservas de 324,7 bilhões de dólares do ano anterior.

Entretanto, nem tudo são planilhas. Não podemos esquecer que os números correspondem ao pagamento de programas sociais, o custo da Previdência Social, construção de ferrovias e estradas, saúde, educação, a manutenção enfim de um Estado funcional para os mais de 200 milhões de brasileiros.

E o governo Lula deu início ao governo com uma ampliação necessária de alguns programas essenciais para o bem estar dos brasileiros.

O Bolsa Família, por exemplo, foi energizado pelo governo nesse primeiro ano, com seus gastos atingindo R$ 166 bilhões, quase o dobro do último ano da administração Bolsonaro.

Outro setor que experimentou uma injeção forte de recursos federais foi a educação, no qual, somados gastos obrigatórios e discricionários, o governo investiu R$ 81 bilhões em 2023, um valor bem superior ao praticado nos últimos anos.

Uma das lendas do ultraliberalismo de lacração é que os governos petistas teriam propensão para “inchar” o Estado, através de contratações indiscriminadas de servidores. Não é isso que se viu em 2023. Apesar de que o governo, de fato, está fazendo uma recomposição necessária dos quadros funcionais, muito dos quais foram deixados às moscas pela administração anterior, os gastos totais com pessoal em 2023 ficou sob controle, e ainda menor do que os de 2019 a 2021.

De qualquer forma, nenhum dos números apresentados apresentaria um quadro de sustentabilidade se o Brasil não estivesse experimentando um momento econômico bastante favorável.

A taxa de desemprego (ou desocupação), por exemplo, chegou ao final do ano a um dos menores níveis da história, 7,4%, segundo divulgou hoje o IBGE, com números para o último trimestre de 2023.

O número de pessoas ocupadas hoje no Brasil está perto de 101 milhões.

Interessante notar o recorde de pessoas empregadas, com carteira assinada, no setor privado: já são 37,97 milhões. Esse índice exclui trabalhadores domésticos.

A taxa de informalidade, por sua vez, parou de subir e ficou em 39,1%.

A massa do rendimento mensal de todos os trabalhadores, segundo o IBGE, vem se recuperando e chegou ao valor recorde, em termos reais, de R$ 301,6 bilhões.

O percentual de trabalhadores subutilizados, ou seja, que tem empregos precários, parciais, também registrou um declínio importante: agora são apenas 17,3% da força de trabalho, depois de terem chegado a 29% em 2020 e 24% em 2021.

Conclusão

Em poucos dias, o IBGE deverá divulgar a sua estimativa para o crescimento do PIB em 2023. Os dados já disponíveis sinalizam um crescimento próximo de 3%. Os agentes econômicos tem se mostrado otimistas para 2024. Mesmo que o ministro da Fazenda não consiga fazer o déficit zero ainda este ano, tudo indica que o déficit deverá cair expressivamente. Como há expectativas de que a taxa Selic, que é o juro básico determinado pelo Banco Central, também deverá cair ao longo do ano, isso indica que o governo estará ganhando um imenso espaço fiscal (pois pagará juros menores da dívida) em 2024.

Publicado originalmente em O Cafezinho

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