Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de organização. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 31 de janeiro de 2018 às 16:16
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Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel

Por ressaltar que não há saída fácil à vista para nos retirar do abismo em que estamos metido, tenho sido acusado de dar mais ênfase ao pessimismo da razão do que ao otimismo da vontade – para citar a célebre fórmula que Gramsci emprestou de Romain Rolland. Disseram que sou “baixo astral” e não estou “jogando a favor”.

Com as instituições funcionando a pleno vapor, mas sempre a serviço do aprofundamento do golpe, e os muitos anos de desmobilização popular deliberada cobrando alto seu preço, não sei qual é a margem para manter ilusões.

Li com cuidado o texto recente do Antonio Martins, jornalista competente, que diz que o cenário é muito mais positivo do que parece e julga que estamos, todos nós que diagnosticamos um agravamento do retrocesso, cometendo um “erro banal: confundir o desejo do adversário com o exame concreto da correlação de forças existente”.

Eu julgo que Martins comete o equívoco contrário, mais banal ainda, que é tomar seus próprios desejos pela correlação real de forças. Parece aquelas organizações de esquerda que, mesmo nos piores cenários, começavam suas análises de conjuntura sempre com a frase: “O socialismo avança em todo mundo”.

É claro que as políticas impostas pelos golpistas no poder não têm apoio popular. Mas essa insatisfação tem se expressado politicamente de forma muito débil e o fato de que a direita se mostra disposta a abrir mão da legitimidade eleitoral torna a situação mais dramática. É claro que algumas – não todas – medidas propostas pelos donos do poder têm avançado com menos celeridade do que eles gostariam. Mas não conseguimos freá-las de vez, muito menos reverter o estrago que já foi feito.

O ponto central, para mim, é que não tem deus ex machina no horizonte. Não é o judiciário, que já mostrou muitas vezes de que lado está, nem a eleição, a cujos resultados o respeito, no Brasil, se tornou facultativo. O que é necessário é, sim, alterar a correlação de forças existente e isso não ocorre sem a ampliação da capacidade de mobilização do campo popular, começando pelo movimento sindical.

Voltando a Gramsci, ele dizia que o político “é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na vazia agitação de seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva”. Olhar para a realidade efetiva, da maneira mais honesta possível, é a base para qualquer ação política.

E o “otimismo da vontade”? A meu ver, ele não se confunde com mantras de pensamento positivo. É a consciência de que as contradições presentes na sociedade não estão anuladas e de que o resultado dos processos históricos não está predeterminado. Por pior que seja o cenário a partir do golpe, ele pode ser revertido com a luta da classe trabalhadora, das mulheres, da população negra e LGBT, de estudantes, artistas e intelectuais.

Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de organização.