Não recomende “mais cuidado” quando ocorrem tragédias com ciclistas

Atualizado em 17 de março de 2013 às 5:41

É o mesmo que dizer às pessoas que não saiam a pé porque podem ser assaltadas.

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Foto: Aline Cavalcante

Este texto foi originalmente publicado no site Vá de bike.

Sempre que acontece um absurdo envolvendo morte ou ferimentos sérios com ciclistas, nossos familiares, amigos e conhecidos costumam nos pedir para “tomar cuidado”.

Às vezes, completam dizendo que rua não é lugar de bicicleta, que a cidade não está preparada e por isso não deveríamos pedalar nas ruas, ou que tem “muito maluco dirigindo por aí” e que por isso deveríamos usar o carro ou o transporte público.

Temos que admitir que essas recomendações geralmente são movidas por preocupação genuína conosco. Mas às vezes até pessoas com quem temos pouca intimidade, ou mesmo desconhecidos na rua, nos dizem para não usar a bicicleta: afinal, é perigoso.

Recomendação fora de contexto

Claro que é importante tomarmos cuidado. Não à toa, aqui no Vá de Bike temos uma série de artigos com recomendações de segurança, que em resumo são um grande “tome cuidado”. Mas quando acontece algo trágico com um ciclista, em uma situação em que apenas quem estava no carro poderia ter evitado o ocorrido, essa recomendação beira o absurdo, pois quem deveria ter tomado cuidado é quem causou o acidente!

Crimes como o da Av. Paulista não acontecem por falta de cuidado do ciclista, mas com o ciclista. Por isso, meus queridos que nos amam e se preocupam conosco, acaba sendo até falta de sensibilidade recomendar mais cuidado em um momento como esse. A recomendação, ainda que com preocupação genuína, nos incomoda e pode ofender.

Recomendar que ciclistas “tomem mais cuidado” ou evitem sair às ruas é o mesmo que recomendar às pessoas a não saírem a pé porque podem ser assaltadas. Ou recomendar que as mulheres não usem saias, pois podem ser estupradas. Ou que não façam uso do transporte público, pois podem ser assediadas. Que não se use mais cartão de crédito, pois ele pode ser clonado. Ou que não se use mais o carro, porque pode haver um sequestro relâmpago.

Esse tipo de discurso só banaliza a situação como algo que não pode ser evitado, um infortúnio, coisas da vida. Mas pode ser evitada sim – e deve! Além de tomarmos cuidado, com nós mesmos ao pedalar e principalmente com os outros ao dirigir, o poder público deve atuar, tanto preventivamente (através de sinalização, infraestrutura e campanhas de conscientização) quanto punindo os criminosos que cometem atentados contra a vida nas ruas. E é esse o discurso que deve ser adotado.

E, por favor, recomendem a nossos amigos, familiares e amores que dirigem que também tomem mais cuidado. Afinal, um descuido pode matar.