Esta entrevista foi publicada pela DW em 2012. O editor chefe do Charlie Hebdo, Gérard Biard, escapou do atentado terrorista à publicação, que deixou 12 mortos e dez feridos.
Em meio à violência em diversos países muçulmanos por causa do filme que ofende o profeta Maomé, a revista semanal de humor francesa Charlie Hebdo chegou às bancas nesta quarta-feira (19/09) causando mais polêmica.
A capa da revista mostra o desenho de um judeu ortodoxo empurrando um personagem de turbante que está numa cadeira de rodas. No interior da revista, há diversos desenhos de Maomé, sendo que, em alguns, ele aparece nu.
Com isso, houve protestos em Cabul, capital do Afeganistão, nesta quinta-feira (29/9). Embaixadas da França estão em alerta e muitas escolas francesas no exterior foram fechadas.
Em entrevista à Deutsche Welle, o editor-chefe da publicação, Gérard Biard, rejeita o termo provocação. “Trata-se de fazer nosso trabalho de jornalistas, de comentaristas da atualidade.”
Além disso, ele diz que a revista é uma publicação ateísta e que luta contra todas as religiões quando “elas abandonam o âmbito privado para se ocupar da política e da opinião pública”.
DW: O que vocês pretendiam: exercer a liberdade de expressão ou provocar?
Gérard Biard: Nós nos situamos no âmbito do nosso trabalho e no âmbito da liberdade de expressão. No caso de notícias com um potencial tão conflituoso, a saber um filme imbecil que gerou tumulto em quase todas as partes do mundo, tumulto que resultou em mortos e embaixadas queimadas: se nós, jornalistas, comentaristas da atualidade, não devemos comentar isso, o que então? Eu rejeito o termo “provocação”. Não se trata de jeito nenhum de provocação, se trata de fazer nosso trabalho de jornalistas, de comentaristas da atualidade.
Na realidade, somos uma revista de sátira, de política, de desenhos. E somos, sobretudo, uma publicação ateísta: lutamos contra todas as religiões a partir do momento em que elas abandonam o âmbito privado para se ocupar da política e da opinião pública. A religião muçulmana tenta fazer uso da política, por isso ela deve, como todas as outras forças políticas, se submeter a críticas.
Honestamente, estamos muito surpresos com o impacto causado. Se você observar exatamente a caricatura na capa, saberia dizer em qual das duas figuras está representado o profeta Maomé? É uma sátira que se insere na tradição da sátira francesa. Por isso, eu não entendo essa reação exagerada que a nossa capa causou. Melhor dito: tenho medo de compreender. Penso que, assim como no resto [os protestos no mundo muçulmano em geral], é tudo manipulação.
Quanto à decisão do governo francês de fechar escolas e embaixadas em 20 países: ele está cumprindo seu papel, que é proteger os interesses e a segurança dos franceses nos países onde essa segurança está em perigo. Isso é tudo o que eu posso dizer.
Você tem medo de represálias?
Da última vez em que publicamos uma capa sobre esse mesmo assunto, nosso escritório foi incendiado. Temos de contar com isso. Estamos sob proteção policial. Mas não é admissível num país democrático e laico que sejamos obrigados a nos preocupar com nossa segurança quando exercemos nosso direito de publicar caricaturas, nosso trabalho como jornalistas e comentaristas da atualidade.
Houve um debate na redação sobre a escolha da capa?
Não houve debate sobre se levaríamos esse tema à capa da publicação. Isso era evidente para nós. Fora isso, como todas as semanas, debatemos qual desenho iria para a capa. Mas sobre a questão central – se faríamos algo sobre esse assunto – não houve debate, foi uma unanimidade, essa questão não foi colocada.
E se a violência aumentar nos próximos dias, vocês se sentirão responsáveis?
Evidentemente deploramos a violência, mas não somos responsáveis por ela. Salman Rushdie é responsável pela fatwa que pesa sobre ele e que há dois dias foi agravada? Não. Por isso não somos responsáveis pela violência dos fanáticos.