Não vou cancelar a Netflix por causa de uma sátira religiosa. Por Hermes Fernandes, pastor

Atualizado em 9 de dezembro de 2019 às 19:13

 

Foto: Reprodução

POR HERMES FERNANDES

Mais uma vez os humoristas do Porta dos Fundos provocaram a fúria dos evangélicos.

No especial de fim de ano apresentado pela Netflix, Jesus Cristo, o Filho de Deus, é apresentado como homossexual que prefere se divertir a salvar o mundo.

Segundo o “Observatório da Imprensa”, esse é o enredo do filme: “em A Primeira Tentação de Cristo acompanhamos a festa surpresa que José (Rafael Portugal) e Maria (Evelyn Castro) prepararam para seu filho Jesus (Gregório Duvivier), que chega acompanhado de seu namorado Orlando (Fábio Porchat). (…) Mas, o convidado mais especial da festa, além do próprio aniversariante, é Deus (Antonio Tabet) que tem uma missão para seu filho: carregar e espalhar sua palavra pelo mundo. Contrariando Cristo, que é de humanas, e prefere coisas como malabares, miçangas e saraus de poesia”.

Rapidamente, pastores e líderes vieram a público pedirem para que os crentes cancelassem sua assinatura da Netflix.

Apesar do “admirável zelo” demonstrado pelos defensores da fé, há algo que me deixa preocupado. Será que se eles fizessem piadas com os excluídos, os oprimidos, com os que não se enquadram nos moldes do sistema, demonstraríamos o mesmo zelo em defendê-los? Por que só nos manifestamos em causa própria? E se a brincadeira envolvesse símbolos de outras tradições religiosas? Isso não revelaria o quão corporativistas temos sido?

Canso de ler comentários do tipo “quero ver fazer sátira com Maomé.” Sinceramente, isso não me parece muito cristão.

Aliás, louvo a Deus por viver em um ambiente que permite tal liberdade.

Em vez de me sentir ofendido, prefiro levar na esportiva. Confesso que, às vezes, até rio. Se não da piada em si, da ignorância de quem a contou.

Outra questão que julgo relevante: até que ponto não somos nós mesmos os culpados por termos nossa fé alvo de tantas chacotas? Que tipo de cristianismo temos vivido?

Talvez devêssemos aproveitar a ocasião para fazer uma mea culpa e reavaliar alguns de nossos posicionamentos junto à sociedade e às suas demandas.

Se assim procedermos, talvez o que seja motivo de riso para alguns, se torne motivo de lágrimas para nós, conduzindo-nos ao arrependimento de nossa apatia e de nossa fé caricata.

Não é a Cristo que atacam, nem mesmo os nossos mais caros símbolos, mas ao nosso cristianismo alienado e descomprometido com a ética do reino de Deus.

Apresentar Jesus como um homossexual possivelmente se deva à maneira preconceituosa com que seus pretensos seguidores tratam os homossexuais.

Nossa homofobia deve ofender mais a Deus do que qualquer sátira.

Creio que no juízo haverá menos rigor com quem conta piadas sobre a nossa fé do que com quem torna nossa fé motivo de piadas.

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