Narrativa familiar falsificada de “Democracia em Vertigem” o torna uma obra desonesta. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 13 de julho de 2019 às 11:49
Democracia em Vertigem de Petra Costa. Foto: Divulgação

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POR LUÍS FELIPE MIGUEL

Minha decisão – que estou quebrando agora – era não falar de Democracia em vertigem.

Não gostei do filme. Não gosto daquele “eu” onipresente que se tornou quase padrão nos documentários, que em geral é só uma muleta e que faz com que tudo se reduza a viagens narcísicas. A estética é convencional, com a contraposição batida entre as multidões e os vastos espaços vazios dos palácios e outros espaços do poder em Brasília. A narração beira o irritante. E, sobretudo, a análise política é muito superficial.

Mas o filme apresenta uma leitura do golpe que o reconhece como golpe, potencialmente para um público que tem pouco acesso a ela. Sendo assim, avaliei que seu papel era positivo – que me perdoem os estetas, mas o impacto político é, sobretudo no momento em que vivemos, bem mais importante do que a excelência fílmica. Não sendo capaz de elogiá-lo, preferi também não criticá-lo.

Leio agora, no entanto, que boa parte da narrativa familiar que sustenta o filme é falsificada. Até onde vi, a diretora Petra Costa não foi capaz de negar as revelações. Seus pais nunca estiveram de fato na clandestinidade: continuavam visitando com regularidade as famílias, que aliás os sustentavam. O pai foi deputado federal e depois secretário do governo Aécio, em Minas. A mãe não é apenas herdeira, mas ativa nos negócios da Andrade Gutierrez. Etcétera, etcétera.

Em suma: o filme se constrói como uma narrativa sincera a partir de uma determinada trajetória pessoal e familiar, com a sinceridade da perspectiva servindo de compensação para a fragilidade da reconstrução histórica. Mas a trajetória foi falsificada, logo a sinceridade é um simulacro.

Se é assim (e cabe à Petra Costa se pronunciar), não é possível recusar o veredito de que se trata de uma obra desonesta. E seguramente já temos desonestidade de sobra no Brasil de hoje, não precisamos de mais.

(Não compartilho o artigo com as revelações dos falseamentos do documentário porque, além de ser escrito no tom irritante do intelectual etéreo que debocha dos embates no mundo social, termina com uma agressão gratuita ao fotógrafo Ricardo Stuckert.)