Nasce Bolsonaro, o pai dos pobres. Por Luis Nassif

Atualizado em 27 de agosto de 2020 às 10:42
Jair Bolsonaro ao chegar ao aeroporto de São Raimundo Nonato, no Piauí, acompanhado do senador Ciro Nogueira (PP-PI). A boa receptividade surpreendeu o político num reduto em que ele teve pouco mais de 10% dos votos. Foto: Alan Santos / PR

PUBLICADO NO GGN

POR LUIS NASSIF

Como previmos há semanas, a lógica política iria devorar Paulo Guedes. Era apenas questão de tempo.

Tinha-se uma situação inexorável.

De um lado, Jair Bolsonaro e seus militares da reserva sitiados, depois da tentativa fracassada de cercar o Supremo Tribunal Federal. Depois, os arroubos presidenciais corroendo cada vez mais sua popularidade. Finalmente, o inquérito das fake news e as investigações sobre as rachadinhas praticadas por seus filhos, expondo-os a prisão. E um único ponto de apoio: a renda emergencial melhorando seus indicadores de popularidade, mesmo sabendo-se de sua responsabilidade na expansão do Covid-19.

Em abril, um grupo mais racional, dentro do governo, já sabia que a saída para a crise econômica seria reativar as obras públicas e manter a renda básica. Há um viés primário da mídia, de tratar como populismo toda medida politicamente popular. Populismo, na expressão clássica, é adotar uma série de medidas fiscais irracionais, e benesses sem lógica econômica ou social, visando ganhar popularidade. No quadro atual, de crise social e econômica, a renda básica e os gastos públicos são essenciais não apenas para a retomada do emprego, como da economia. Não há irracionalidade nesse tipo de medida, que vem sendo adotada por diversas economias mundiais.

A teimosia de Guedes se deve, em parte, a seu pensamento plano, sem nuances, incapaz de visão mais complexa da economia, de análise da realidade econômica, limitando-se a ficar em relações de causalidade mecânicas, previstas na teoria ortodoxa. Mas em parte, também, a sua prepotência de não abrir mão do poder que ganhou. E seu “abre-te Sésamo” é a Lei do Teto e a ortodoxia suicida.

Blefou algumas vezes, valendo-se dos argumentos “ad terrorem” – tipo, se desrespeitar a Lei do Teto o investimento externo desaparece e o país será destruído, e outras baboseiras do gênero. Conseguiu blefar uma, duas, três vezes. Mas foi derrotado pela realidade, quando começou a se vangloriar das medidas de renda básica e apoio às empresas (dinheiro que sequer chegou ao destino). E aí ensinou a Bolsonaro o samba de duas notas só. Ele passou a repetir que o país se saiu magistralmente bem graças aos gastos públicos do período. Logo, qual o problema de seguir com essa política?

Esses dois fatores – sobrevivência política e endosso econômicos aos gastos – romperam com o dogmatismo atrás do qual Guedes se escudava.

Ontem nasceu oficialmente o novo Bolsonaro, o “pai dos pobres” ao anunciar publicamente que não aceitaria a proposta de Guedes, de eliminar programas sociais para viabilizar a renda básica.

Não se fica nisso.

O destravamento dos investimentos, a desregulação e a privatização abrem um amplo espaço de barganha para o acordo político com o centrão. Esse jogo aumenta a importância das agências reguladoras – tipo CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANP (Agência Nacional do Petróleo), ampliando a oferta de cargos estratégicos.

Além disso, o início da recuperação da economia, tímida, permite a Bolsonaro reforçar seu discurso de que estava certo colocando a economia como objetivo central. Há dificuldades evidentes da mídia de divulgar a narrativa correta, de que os boicotes de Bolsonaro atrasaram fundamentalmente o fim da pandemia e o início da recuperação.

O mercado irá reagir negativamente nos primeiros dias. Mas só nos primeiros dias. Os acepipes da privatização e da desregulação criarão ótimas oportunidades de negócio no curto prazo. E, para o mercado, interessa resultados.