
O jornal americano The New York Times publicou neste sábado (5) um texto em que compara as eleições presidenciais realizadas nos Estados Unidos e no Brasil. O jornalista Jack Nicas ressaltou lições do processo eleitoral brasileiro que podem ser aproveitadas pela democracia americana:
Os preparativos para as eleições presidenciais mais recentes nas duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental foram notavelmente semelhantes. Atrás nas pesquisas, o presidente de direita afirmou, sem provas, que a eleição poderia ser fraudada. Ele sugeriu que talvez não aceitasse uma derrota. E milhões de seus seguidores prometeram sair às ruas sob seu comando. Mas os resultados, pelo menos até agora, foram drasticamente diferentes.
No Brasil, quando as apurações mostraram que o titular da Presidência havia sido derrotado após apenas um mandato, as instituições do governo responderam de forma conjunta, rápida e decisiva. (…)
O presidente Jair Bolsonaro, politicamente isolado, ficou em silêncio por dois dias. Então, sob pressão de seus principais conselheiros, ele concordou em transferir o poder. Milhares de seus apoiadores saíram às ruas, bloqueando estradas e exigindo uma intervenção militar, mas as Forças Armadas não demonstraram interesse em atrapalhar o processo eleitoral. As manifestações rapidamente diminuíram e o governo começou sua transição. (…)
Com a previsão de caos semelhante para seu país este ano, os brasileiros reforçaram seu sistema bem antes do tempo. As autoridades eleitorais acrescentaram testes adicionais das urnas eletrônicas e verificações dos resultados, padronizaram as horas de votação para que os resultados chegassem rapidamente e se preparam para apresentar uma frente unida assim que o vencedor fosse declarado. (…)
Enquanto os americanos esperaram quase uma semana pela confirmação da vitória do presidente Biden em 2020, Trump, seus aliados e influenciadores nas mídias sociais aproveitaram o atraso para semear dúvidas sobre fraude eleitoral, usando mentiras e teorias da conspiração. No Brasil, no domingo, quase todos os votos foram contados em menos de três horas. (…)
Em parte, o desafio nos Estados Unidos é que as eleições presidenciais são organizadas em torno de regras e práticas que diferem por estado e até por condado. No Brasil, a eleição é realizada por um tribunal eleitoral independente, composto por uma bancada rotativa de juízes federais, que está fora do alcance do Executivo.
A descentralização pode ser uma salvaguarda contra o golpismo porque evita um único ponto de falha, e ao mesmo tempo dá às localidades a oportunidade de introduzir regras que expandem a votação. (…)
No Brasil, um juiz da Suprema Corte liderou uma repressão agressiva a postagens enganosas e falsas. A desinformação ainda fluiu, mas provavelmente muito menos do que se Moraes não tivesse agido. (…)
Sua atuação [do ministro Alexandre de Moraes] severa cria um debate complicado. A desinformação é uma ameaça perniciosa e veloz que levou uma parte considerável do país a perder a fé nas eleições brasileiras. Ao mesmo tempo, as empresas de mídia social falharam repetidamente em combater notícias falsas em todo o mundo. Então, quando um juiz age de forma assertiva para combater o problema — ainda que estabeleça um precedente perigoso — muitos no Brasil têm sentimentos contraditórios.
Uma semana depois, fica claro que uma eleição que muitos temiam representar uma ameaça existencial à democracia brasileira provou a força das instituições brasileiras — e talvez até pudesse servir de modelo para outras.