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Neymar pode marcar o gol que Pelé não fez. Por Fernando Miller

Reprodução/ Twitter
Neymar

O ano é 1970 e estamos às vésperas da estreia do Brasil contra a Tchecoslováquia na Copa do México. O time treinado pelo técnico Zagallo despertava desconfiança da crônica esportiva, mas tinha a esperança dos torcedores brasileiros, que acompanhavam de perto em seus times as atuações de jogadores como Rivellino, Jairzinho, Tostão.

No mesmo ano, o general Emílio Garrastazu Médici comandava o país com mão de ferro, fazendo a oposição sentir literalmente na pele os efeitos do AI-5. É o auge do “Brasil Ame-o ou Deixe-o”.

O Rei Pelé convoca uma entrevista coletiva, fato raríssimo no futebol da época e, com ar grave, anuncia: “Em protesto contra a ditadura militar os jogadores decidiram não disputar a Copa do Mundo”.

Imaginaram os desdobramentos disso?

Guardadas as devidas proporções, pode acontecer algo parecido em relação a seleção brasileira na Copa América, cujo início está marcado para o dia 13 de junho.

Se não estamos na mesma ditadura dos anos 70 (apesar dos fatos isolados de repressão que vem se repetindo frequentemente, como os de Rodrigo Pilha, do professor Arquidones Bites Leão e do vereador Renato Freitas), estamos em meio a um flagelo que já ceifou a vida de 471 mil pessoas e na iminência de uma terceira onda que pode aumentar esse número para mais de 750 mil mortes.

Jogadores, com aparente anuência da comissão técnica (o que pode custar o emprego de Tite), articulam-se para não disputar a Copa América.

As justificativas que vazam na imprensa divergem: há quem diga que é pela insatisfação dos atletas com a cúpula da CBF (entidade cujo presidente encontra-se em delicada situação após as denúncias de assédio feitas por uma funcionária) e outros afirmam que os jogadores discordam em razão da vantagem que o Brasil teria por atuar em casa, alegando a falta de transparência da acolhida do evento, resolvida em uma noite entre a Conmebol e Jair Bolsonaro.

A essa altura, a motivação declarada é menos importante que o ato em si: seria muito simbólica a não participação do Brasil. Não era hora de um evento desse porte em um país que vacinou apenas 10,8% de sua população. Mais representativa ainda se liderada por Neymar, goste-se ou não de sua figura pública, o principal jogador brasileiro em atividade.

É ilusão exigir de Neymar, tão alinhado ao bolsonarismo que é, a grandeza de Muhammad Ali, a consciência de Maradona ou mesmo a sensibilidade social de Lionel Messi. É pedir demais que ele fizesse o gol que Pelé não fez.

Fernando Miller

Fernando Miller, paulistano, advogado, palmeirense

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