Publicado no Conjur.
POR NELIO MACHADO, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
A decisão do juiz Sergio Moro, que condenou o ex-presidente Lula, se caracteriza como se depreende de sua leitura, por excessos e descomedimentos. Começando pelo fim, cabe destacar o direito de recorrer em liberdade, tema induvidoso diante da primariedade e bons antecedentes do acusado e de seu comparecimento regular aos atos apuratórios e da ação penal, assim considerada esta que recebe veredicto na data de hoje.
As observações sobre a condição de ex-presidente da República afiguram-se despropositadas, pois não se justifica que a medida extrema tenha sido evitada por “prudência”, objetivando evitar “traumas”.
O que se nota na decisão, em várias passagens, é a prevalência de visão imprópria para um julgador, isento e imparcial, sobretudo no ponto em que faz críticas à defesa, afirmando ter ela “adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação…”, postura que denota protagonismo do magistrado, em detrimento da equidistância que deve guardar entre as partes nas demandas de natureza penal ou de qualquer outro ramo do direito.
Juiz inclinado, já afirmava Rui Barbosa, não consegue julgar com entendimento, julga com a vontade, com a sua verdade, e não propriamente a que resulta da coleta da prova.
A defesa ter arguido suspeição ou impedimento, ter promovido queixas-crimes, ações indenizatórias corresponde a direito inelutável, cabendo ao magistrado, desde que se sinta molestado, afastar-se da causa e não tentar justificar “erros” em que tenha incorrido, como sucedeu ao tempo da divulgação de interceptações telefônicas, cujo prazo já se exaurira, fato reconhecido pelo sentenciante.
Por outro lado, o rigor da pena aplicada fala por si, atingindo mais de 9 anos, em regime fechado, exacerbação incompatível, provadas estivessem as imputações, com o princípio da proporcionalidade, brandido em 1764 por Cesare Beccaria, no insuperável “Dos Delitos e Das Penas”.
Considerando-se que há outros processos em curso contra o ex-presidente, alguns deles sob a égide do mesmo julgador, avizinha-se atropelo de garantias fundamentais, com a utilização de inaudito rigor, que colide com as melhores tradições do direito brasileiro, que não estimula justiçamentos, paixões partidárias e outros vícios redibitórios incompatíveis com a missão do julgador.
Assinale-se a forma pela qual o sentenciante se identifica muitas vezes na terceira pessoa, como se fosse uma entidade à parte de sua condição pessoal. O Juízo não é algo abstrato.
Em realidade, a judicatura é tarefa humana sujeita a equívocos, daí porque sempre se tenha cogitado, nas nações oxigenadas pela democracia, de rever, reexaminar, reavaliar o que tenha sido decidido por um só. O magistrado não pode ser um monarca, um rei, um dono da verdade. Não!
No caso, observa-se na sentença indisfarçável tendência condenatória, denunciada frequentemente pelos defensores, para os quais, por tudo quanto se viu divulgado – e nem sempre de forma equitativa – reservava-se maior rigor do que o tratamento conferido aos acusadores.
Juízes não são combatentes da criminalidade. Juízes devem ser isentos, equidistantes, imunes ao estrelato e reservados em suas manifestações.
Não cabe ir além, pois os advogados saberão agir como entenderem de direito e de justiça. Todavia, a repercussão da causa, as premissas do decisório afrontam, seguramente, garantias fundamentais de todo e qualquer acusado, que não deve se defrontar com juiz vocacionado para a condenação, numa cruzada que privilegia discurso que tangencia a política, apartando-se de tudo quanto se espera em face da prestação jurisdicional.
Ninguém está acima da lei, nem o acusado, nem o acusador. Muito menos o magistrado.