“Ninguém vem de lá enganado”, diz médico cubano que trabalha no Sul do Brasil

Atualizado em 16 de novembro de 2018 às 16:52
Richel Collazo Cruz (Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação)

Publicado originalmente no GaúchaZH

O médico cubano Richel Collazo Cruz, de 36 anos, foi surpreendido com a decisão do governo de Cuba de encerrar o convênio com o Brasil no programa Mais Médicos. Ele atende à população desde 2014 em um posto de saúde no município de Chapada, no norte do RS.

— Pra mim, foi uma notícia muito ruim. Eu ainda estou processando tudo isso. Bateu de frente com todos os planos que nós tínhamos construído.

Assim que soube do fim do convênio entre Brasil e Cuba no programa Mais Médicos e da iminência de perder o profissional, o prefeito de Chapada, Carlos Catto (PDT), convidou o médico para ser secretário de Saúde.Cruz ainda não deu uma resposta ao prefeito, mas disse que pretende aceitar o convite.

— Se eu não conseguir ficar como médico, vou aceitar.

Cruz classificou a proposta do prefeito como “uma grande oferta de trabalho”, mas ainda tem esperança de seguir como médico. Ele quer buscar informações para saber se será possível continuar no programa, mesmo com o fim do convênio entre os países.

Salário dez vezes maior no Brasil, mesmo com repasse ao governo cubano

Segundo o médico, o seu salário em Cuba como profissional do sistema de saúde pública é o equivalente a R$ 300.

— 70% do salário que a gente recebe é investido em saúde, educação, segurança. E uma grande parte vai para a economia de Cuba  — afirmou. Cruz declara que os médicos cubanos estão entre as maiores fontes de arrecadação para o país —atualmente, a maior é o turismo. Comércio e serviços respondem por 7,42% do PIB cubano (dados de 2017).

Perguntado se achava justo esse repasse de 70% ao governo cubano, Cruz afirma que todos que saem do país sabem das condições de trabalho definidas pelo convênio.

— Ninguém vem de Cuba para cá enganado. Todo mundo sabe o que vai ganhar e a parte com a qual o governo vai ficar. Quando você chega aqui, vem com a mente de que é isso. Quando a gente vê essa diferença, de R$ 300 para R$ 3 mil, é uma grande diferença. Esses R$ 3 mil correspondem a um grande salário lá em Cuba.

Em razão dos benefícios de alimentação, transporte, moradia, água, luz e internet bancados pela prefeitura, Cruz afirma que ainda consegue guardar dinheiro e ainda enviar uma parte aos familiares que ficaram em Cuba. O seu salário de R$ 300, como médico do sistema cubano, fica com a sua família.

As conversas com o governo cubano

Segundo Cruz, o governo de Cuba prometeu não realizar qualquer retaliação aos cubanos que quiserem permanecer por conta própria no país. Alguns profissionais, como ele, levaram a família para os locais de trabalho.

— O governo entrou em contato conosco e falou que no caso de pessoas como nós, que estamos com família aqui, podemos ficar sem problema nenhum. (O governo) não tomaria nenhuma medida contra nós e nos libera por completo do sistema de saúde pública de Cuba.

Seu primeiro contrato no Mais Médicos venceu em 2017. Cruz está com uma prorrogação em vigor, que vai até 2020.

O profissional recebeu a proposta do governo cubano de trabalhar no Brasil quando estava na Venezuela e se interessou imediatamente pelo trabalho. Voltou para Cuba, fez cursos de português e logo embarcou para o Brasil. Desde que chegou ao país, em 2014, trabalha no mesmo posto de saúde, em Chapada.

— A cooperação cubana na Venezuela é diferente. Cuba pagava nosso salário e o governo local dava um auxílio de moradia e alimentação. O que a Venezuela continua dando para Cuba é petróleo em troca da ajuda médica.

Doenças

O médico conta que se deparou, no Brasil, com doenças que são pouco comuns em Cuba.

— Praticamente 50% dos pacientes que você atende aqui estão relacionados com crise de ansiedade e depressão.

Cruz também cita febre amarela e sarampo, doenças com as quais nunca se deparou em Cuba. A rotina é bem parecida, entretanto, no caso de moléstias como hipertensão, diabetes e asma.

Família no Brasil

Segundo o médico cubano, os primeiros dias em Chapada foram “bem difíceis”, por não conhecer ninguém e não conseguir conversar com ninguém. Conta que andava pelas ruas sozinho e as pessoas ficavam olhando.

— Acho que até gerava uma desconfiança.

Aos poucos, Cruz foi se adaptando à cidade. O trabalho no posto de saúde o fez conhecer bastante gente e a convivência melhorou.

— Foram me enturmando dentro das suas vidas, me encaixando nas atividades que eram feitas aqui na cidade, como as festas comunitárias.

Em 2016, Cruz se casou com a sua atual mulher, a brasileira Graciela Luísa Frühauf. Ele afirma que conheceu  a estudante de administração de empresas na academia que frequentava. Eles almoçavam no mesmo local.

— Um dia combinamos de sair e saímos. Estamos juntos até hoje.

O casal tem planos de conseguir concluir a construção de uma casa e ter filhos.

— A “Graci’ ainda está estudando, mas a ideia é aumentar a família quando ela terminar a faculdade.