No afã por ter político preso, Lava Jato criou um preso político, Lula. Por Anderson Bezerra Lopes e Paulo Teixeira

Atualizado em 5 de maio de 2018 às 10:01

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA CARTA CAPITAL

A prisão do ex-presidente Lula pode ser considerada o ato final de uma tragédia anunciada, dado que, desde o início do famigerado processo do “triplex”, sabia-se qual seria seu resultado. Não foram poucos os sinais emitidos (pelo juiz do caso) e que demonstravam seu recôndito desejo de proferir uma sentença condenatória.

Em que pese a defesa ainda poder utilizar os recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) para discussão do caso, a consumação do ato trouxe consigo uma grave questão para o Estado brasileiro: o caráter político da prisão.

No Brasil, o debate sobre presos políticos tem suas principais referências históricas no período de 1964-84, quando a perseguição a opositores era uma prática institucional do regime militar. Após o início do processo de redemocratização, os casos de prisões por motivações políticas tiveram um declínio, mas não se pode dizer que desapareceram por completo, bastando citar o caso de Rafael Braga.

A expressão prisão política remete ao uso da prisão como forma de repressão às liberdades de pensamento, consciência, religião, expressão e informação. Trata-se daquilo que, em artigo publicado em 1961 no jornal The Observer, o advogado britânico Peter Benenson classificou como prisioneiro de consciência, aquele que tem sua liberdade restringida por expressar qualquer opinião que honestamente tenha e que não defenda nem permita a violência pessoal.

Com o artigo, de título The forgotten prisoners, Benenson convocava os leitores para que escrevessem aos seus líderes e instituições exigindo respeito aos direitos básicos dos cidadãos. Essa campanha fez tanto sucesso que foi o pontapé inicial para a criação da Anistia Internacional.

No passado mais recente, através da Resolução 1900 (2012), a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa estabeleceu alguns critérios para definição de quem pode ser considerado um preso político. Dentre eles, se a detenção for resultado de procedimentos claramente injustos e isto pareça estar relacionado a motivações políticas das autoridades.

A situação do ex-presidente Lula se encaixa tanto no conceito cunhado por Peter Benenson já na década de 1960 quanto no mencionado critério adotado pelo Conselho da Europa. Evidenciam esse fato o conteúdo da denúncia e da sentença do processo do “triplex”, nos quais há uma clara tentativa de censura a um modelo de governo (vide, por exemplo, o capítulo “presidencialismo de coalizão deturpado” da denúncia).

Além disso, a prisão do ex-presidente decorre de um procedimento manifestamente injusto, no qual foram violadas as regras de definição do juízo competente, o direito a um julgamento por magistrado imparcial, entre outros, sendo que o mais grave deles foi a ausência de provas que amparassem um juízo condenatório, conforme reconhecido pela maciça comunidade jurídica nacional.

Diversos foram os episódios nos quais pôde ser identificada uma motivação política nos atos da autoridade que conduziu o processo, porém os dois mais sintomáticos são a divulgação de conversas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, e a celeridade incomum para decretar a prisão após o julgamento do habeas corpus 152.752 pelo Supremo Tribunal Federal.

Dentro desse mesmo contexto está a decisão da ministra Carmen Lúcia de levar a julgamento o referido habeas corpus e não as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, que tratam do mesmo tema e poderiam ensejar resultado oposto para a questão da execução antecipada da pena. Com isso, houve uma fulanização do debate, fornecendo ainda mais combustível para enxergar motivações políticas na atuação do Poder Judiciário.

Uma nota característica das prisões políticas é que, invariavelmente, busca-se conferir ares de legalidade e legitimidade ao ato de força. Sob o signo de efetivar a persecução penal de crimes comuns, esconde-se a real motivação das medidas, de cunho político. Em igual (des)medida, as recentes e reiteradas violações aos direitos de Lula enquanto preso, notadamente a visita de amigos e a assistência religiosa.

Como já alertava Benenson no histórico artigo de 1961, “o que importa não são os direitos que existem no papel na Constituição, mas se eles podem ser exercidos e são feitos cumprir na prática. Há uma tendência crescente em todo o mundo para disfarçar os verdadeiros motivos pelos quais os ‘inconformistas’ são presos”.

Não há quem verdadeiramente acredite que uma reforma de apartamento (jamais solicitado ou recebido) é o verdadeiro motivo pelo qual o ex-presidente Lula está preso. No afã por ter político preso, a Operação Lava Jato criou um preso político.

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*Anderson Bezerra Lopes é advogado e Paulo Teixeira (PT-SP) é deputado federal