“No balanço, são 300 anos de cadeia para cada”: alemães comentam visita de deputada neonazista a Bolsonaro

Atualizado em 31 de julho de 2021 às 7:24
A deputada Beatrix Von Storch e Bolsonaro

A vida é cheia de contradições e a AfD (Alternativa para a Alemanha), partido cuja vice-presidenta visitou Bolsonaro esta semana, não é diferente.

No dia 2 de outubro de 2018, o DCM questionou o partido de extrema-direita sobre o que pensava do então candidato à presidência do Brasil. Perguntamos se apoiavam seu projeto.

Na época, sua assessoria de imprensa havia respondido: “Jair Bolsonaro é um extremista de direita. A Alternativa para a Alemanha não o é”.

“Estamos nos distanciando do extremismo de direita”, havia afirmado.

Três anos depois, a vice-presidente da AfD Beatrix von Storch foi a Brasília encontrar Jair e seus filhos.

Nas suas redes, a felicidade de posar com o presidente extremista.

“Um encontro impressionante no Brasil: gostaria de agradecer ao Presidente brasileiro a amistosa recepção e estou impressionada com sua clara compreensão dos problemas da Europa e dos desafios políticos de nosso tempo”.

“Em um momento em que a esquerda está promovendo sua ideologia por meio de suas redes e organizações internacionais em nível global, nós, conservadores, devemos formar uma rede mais próxima e defender nossos valores conservadores em nível internacional”.

“Além dos EUA e da Rússia, o Brasil é um parceiro estratégico global para nós, com quem queremos construir o futuro juntos”, publicou na internet, sorriso no rosto e Bolsonaro do lado.

Também posou com Eduardo, segurando uma Bíblia no Congresso Nacional. “Uma parada importante na minha viagem ao Brasil: um grande encontro com Eduardo Bolsonaro. Valores comuns são a base para uma boa cooperação internacional. No plenário do parlamento, ao lado da cadeira do presidente do parlamento, está a Bíblia”, disse a deputada.

Em uma segunda publicação com o brasileiro, afirmou que está conversando com “políticos conservadores, partidos e líderes de opinião no Brasil a fim de ganhar aliados para a AfD”.

Execração de LGBTIs e migrantes, minimização do movimento Vidas Negras Importam e Sextas-Feiras pelo Futuro, demonização da esquerda. Vale tudo por “valores conservadores”. De um lado, a estratégia funciona. Bolsonaro é um dos poucos chefes de Estado aliados da AfD.

Por outro lado, o encontro revela a debilidade internacional do presidente brasileiro, que recentemente foi visitado apenas pelos políticos mais medíocres da Europa.

Da última vez, foi Nicolas Dupont-Aignan, obscuro deputado francês de extrema-direita, com 4% das intenções de voto para as eleições presidenciais do ano que vem.

No caso da Alternativa para a Alemanha, o partido não enviou seu presidente honorário, Alexander Gauland, mas uma porta-voz adjunta.

O momento tampouco é o melhor para o partido. Parece uma evidência. Nos últimos anos, a pressão sobre a AfD aumenta.

Storch se encontrou com Eduardo Bolsonaro no plenário do Congresso Nacional

Em março, a imprensa alemã noticiou que o Serviço de Proteção da Constituição começou a vigiar o partido por suspeitas de ser um movimento extremista.

A justiça do país resolveu suspender a vigilância, o que não foi suficiente para estancar o recuo do partido nas urnas.

Depois do auge da AfD em 2017, o refluxo eleitoral tende a se confirmar. Nas eleições regionais de março em Stuttgart e Mainz, duas das principais cidades alemãs, o recuo foi de 15,1% em 2016 para 9,7% este ano e de 12,6% para 8,3%, respectivamente.

Nos artigos das publicações de referência Die Welt e Spiegel sobre o encontro entre Bolsonaro e Storch, a aliança parece mais ter funcionado aos olhos dos internautas como um eixo do mal.

“Valores cristãos-conservadores, tudo bem, rede internacional com conservadores, tudo bem, mas, Sra. Von Storch, não com o super corrupto e nervoso psicopata Jair Messias (sic!) Bolsonaro e sua família semi-criminosa ‘clã’!!”, disse um internauta do Welt. “Ainda é possível realizar uma ação tão idiota e completamente absurda???”, pergunta.

“Unidos no desprezo pelo ser humano e na falta de empatia. Falar de ‘conservador cristão’ é pura zombaria. Eu recomendaria que você desse uma olhada na Bíblia, lide com Jesus e compare isso com sua política. Cristãos modernos refletidos são o oposto dessas figuras. E sobre o tema ‘conservador’: conservador e destruir o meio ambiente não combinam comigo. Conservador deve ser entendido mais no sentido de ‘Sempre estigmatizamos as minorias e os necessitados. Isso já se provou’”, publicou um leitor da Spiegel.

“O encontro foi uma coincidência estúpida. Storch queria que o partido financiasse suas férias no Brasil como uma viagem de negócios e estava em busca de uma oportunidade para visitá-lo. Então ela escreveu ao Bolsonaro uma vez. E por ser tão sem importância na Europa, pensou que teria publicidade aqui. Não havia mais nada”, criticou outro leitor.

Storch descende da mais alta nobreza germânica do início do século XX. Um dos seus avós, inclusive, que havia perdido terras em 1918, foi beneficiado pelo nazismo para se apropriar de terras anexadas durante a Segunda Guerra. Um outro avô organizou a espoliação de judeus.

A origem aristocrática da extremista não passou despercebida pelos leitores da Spiegel.

“A AfD quer ser burguesa. Ninguém disse à Sra. Storch que Bolsonaro é um valentão primitivo de maneiras miseráveis?”, ironizou um leitor.

“Vergonha de você”, disse outro. “Se você olhar para a imagem assim …, no balanço, são pelo menos 300 anos de cadeia!”, afirmou um leitor.

“As pessoas certas se encontraram: o representante de um partido cujo cerne da marca inclui a xenofobia, o racismo e o antissemitismo, e um presidente brasileiro que é um admirador declarado de uma ditadura militar que envolveu assassinatos estatais, esquadrões da morte, tortura e desaparecimento de membros da oposição estavam na ordem do dia. Falar de ‘valores conservadores-cristãos’ aqui é puro cinismo, mas sim a mentalidade autoritária e antidemocrática que une os dois parceiros”, comentou um internauta.

“Por favor, fique com a senhora!”, suplicou outro leitor a Bolsonaro.

O DCM procurou a AfD para entender a mudança de posição sobre o presidente brasileiro, mas não obteve resposta.

Willy Delvalle
Mestre em Sociologia e Filosofia Política pela Universidade Paris 7. Formou-se em Comunicação Social: Jornalismo na Unesp. Em São Paulo, foi professor voluntário de português a imigrantes e refugiados. Atualmente, cursa mestrado em União Europeia e Globalização na Universidade Paris 8