No caso ‘Pedro Collor de Bauru’, parente da nova presidente da Capes denunciou a própria família à PF

Atualizado em 16 de abril de 2021 às 16:18
Milton Ribeiro, ministro da Educação, e Cláudia Mansani, nova presidente da Capes: a família sonegava mentindo que fazia filantropia. Foto: Reprodução

Nesta quinta (15), Cláudia Mansani Queda de Toledo foi nomeada a nova presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), uma instituição ligada ao Ministério da Educação e responsável por avaliar cursos de pós-graduação no país.

Cláudia é reitora de uma universidade particular que oferece pós-graduação  – neste caso, fica obvio o conflito de interesses.

O Centro Universitário de Bauru foi fundado pela sua família. Antes, chamava Instituto Toledo de Ensino (ITE).

A instituição de ensino recebeu uma nota 2 da Capes – cursos avaliados com as notas 1 e 2 são impedidos de matricular novos alunos – por esse motivo, aliás, Cláudia teve de, em 2017, encerrar o próprio mestrado que fazia na Universidade da família já que a formação acabou descredenciada pela mesma Capes que agora ela vai presidir.

A ITE, ou o hoje Centro Universitário de Bauru, é uma instituição razoavelmente conhecida em Bauru e arredores.

Alguns ano atrás, tornou-se notícia em âmbito nacional, graças a um membro ilustre do clã familiar que controla a Universidade.

Mauro Leite Toledo resolveu comparecer à Polícia Federal e denunciar um esquema de sonegação de impostos que engordava a o caixa da família e lesava o patrimônio público.

Mauro tornou-se conhecido na época como Pedro Collor de Bauru – em alusão ao irmão que denunciou e levou o ex-presidente Collor a ser deposto da presidência.

Quem contou essa história em detalhes, na Folha, em 20 de janeiro de 2002, foi Josias de Souza, então diretor do jornal em Brasília e hoje colunista do portal UOL.

Leia a incrível história na íntegra:

Ele se chama Mauro Leite Toledo. Integra um ilustre clã do município de Bauru. Compareceu espontaneamente ao Ministério Público e à Polícia Federal. Prestou depoimentos explosivos.

Delatou a farra que a família dele empreende numa instituição chamada ITE (Instituto Toledo de Ensino). A fuzarca é patrocinada pelo contribuinte, ou seja, você.

A escola foi fundada em 1956. Vende aulas de direito. Figura nos arquivos do Ministério da Justiça como “entidade de utilidade pública”. Para a Previdência, é uma organização “filantrópica”. Não paga impostos. Em troca, deveria primar no atendimento a alunos carentes. Converteu-se, porém, em usina de negócios oblíquos.

Há sete meses, graças ao roteiro oferecido pelo testemunho de Mauro Leite Toledo, abriu-se uma investigação. Desencavou-se nos subterrâneos da escola um feixe de desmandos. Abaixo, laivos dos achados:

1) parte do dinheiro arrancado dos alunos na forma de mensalidades, taxas de matrícula e vestibular não chega à contabilidade da escola. Toma atalhos que convergem para um caixa dois. Só entre março e dezembro de 2000 desviaram-se R$ 771.793;

2) Mauro Leite Toledo, o Pedro Collor de Bauru, maneja munição pesada. Recolheu-a numa vida de serviços prestados à escola. Depois das denúncias, foi levado ao freezer pela família. Embora sem poder decisório, ainda ocupa o cargo de secretário-geral da instituição. “Sou o vagabundo mais bem remunerado do país”, diz. Ele entregou às autoridades relatório de auditoria da Soteconti Auditores Independentes. Traz a análise das contas da faculdade de 1995 a 1997. Contabiliza “desvio de numerários” de R$ 10,067 milhões. Anota os nomes dos beneficiários. São todos Toledo. Não escapa nem o denunciante;

3) a Soteconti farejou “evasão de receita”. Entre fevereiro e julho de 1997, evaporaram R$ 582.388. Eis a anotação dos auditores: “Fomos informados (…) de que parte do valor foi utilizada para a compra de notas fiscais de prestação de serviços para cobrir saídas de caixa sem comprovação, cujos serviços jamais foram prestados, e o restante foi considerado como suprimento de caixa paralelo”;

4) o embuste não alcança apenas as notas de serviço. Lotes de notas frias de fornecimento de material também aportam nos livros contábeis da faculdade. Uma delas registra a compra de R$ 3.360 em cimento, no dia 3 de agosto de 2000, na firma Panorama Materiais de Construção, de São José do Rio Preto. Contatada pelo repórter, a Panorama informou: não fez negócios com a faculdade dos Toledo. Confrontada com a via do talonário, a nota levada aos arquivos da escola confirma sua vocação glacial. O logotipo não bate, a data de emissão é outra (24 de dezembro de 1999), a forma de preenchimento é distinta, o valor é inferior e o produto vendido não é cimento. Preenchida em computador, a nota gelada traz na lateral direita o nome de quem a imprimiu: Albert Gráfica Ltda. A via do talonário, redigida à mão, foi encomendada à Grafi-City Gráfica Ltda.;

5) outra nota informa que, no mesmo dia, 3 de agosto de 2000, adquiriu-se R$ 1.543,50 em concreto da firma Concreband Ltda., também de São José do Rio Preto. A nota traz o número 19.638. Na quinta-feira, por volta das 16h, a última nota emitida no balcão da Concreband ostentava o número 15.510. O talonário contém cinco vias de cada nota. O documento da escola faz menção a seis vias. Um acinte;

6) nacos da contabilidade da escola de Bauru foram ao lixo. Venderam-se diários de caixa e outros documentos para uma firma de reciclagem de papel. Dados relativos à suposta concessão de bolsas de estudo a alunos pobres em 1999 e 2000 foram inutilizados;

7) impedida por lei de receber salários, a alta direção da faculdade embolsa estipêndios sem paralelo no mercado educacional. A paga mais generosa alça a R$ 28 mil. A fraude está documentada em planilhas individuais. Cada Toledo tem a sua. Há ainda um papel batizado de “Levantamento da Folha de Pagamento Família Toledo”;

8) os principais parceiros do butim são Ana Maria Leite Toledo, Maria de Lourdes Leite Toledo, Edson Márcio Toledo Mesquita e Antônio Eufrásio de Toledo Filho. Este último beliscou, em setembro de 2000, quatro cheques de R$ 7.000. Registrados em extratos bancários, os saques não constam da contabilidade oficial. A prática é corriqueira. Só de uma conta (número 13-000313-7, agência 505 do Banespa) dissiparam-se R$ 188,8 mil entre outubro e dezembro de 2000;

9) há Toledos de quem não se exige nem a contraprestação de serviços. Em 1997, Marina Guimarães Toledo recebeu R$ 48.590 sem derramar nenhuma gota de suor nos corredores da escola. Cláudia Mansani Queda Toledo e Flávio Carvalho Toledo foram beneficiados com R$ 23.867 embora seus nomes não ornassem a folha de salários da instituição;

10) os Toledo realizam com a escola inusitadas transações imobiliárias. Um exemplo: Maria de Lourdes Leite Toledo “comprou” do ITE, por R$ 68 mil, um apartamento de 260 m2 avaliado no mercado imobiliário de Bauru por até R$ 200 mil. Ainda não se encontrou nenhum vestígios do ingresso do dinheiro nas contas da instituição.

Procurado, o Toledo que atua como porta-voz da escola, Antônio Eufrásio, indicou o advogado Damásio Evangelista de Jesus para falar em nome da instituição. O repórter discou cinco vezes para Damásio, sem sucesso.
Os números da carochinha produzidos pela faculdade dos Toledo vêm sendo gostosamente digeridos por Brasília. O último certificado de filantropia que a instituição obteve na Previdência é de 28 de março de 2000. Um pedido de renovação até 2003 aguarda decisão do Conselho
Nacional de Assistência Social.

O ministro Roberto Brant (Previdência), nunca é demasiado lembrar, entregou ao Planalto propostas de decretos que socorrem faculdades e hospitais filantrópicos com as contas carunchadas. Dá-lhes três anos para se ajustar. Gente como os Toledo, penhoradamente, agradece.