No Chile, a direita ganhou a batalha mas não a guerra. Por Thiago Maresti, de Santiago

Atualizado em 21 de dezembro de 2017 às 13:38
Piñera

POR THIAGO MARESTI, de Santiago do Chile

Esses foram os resultados: com 99,82% dos votos válidos contabilizados, Piñera obteve 3.790.397 (54,6%), e Guillier 3.154.713 (45,4%). Se compararmos com o primeiro turno Guillier cresceu mais de 110% (passando de 1.496.560  para  3.160.225 votos), e Piñera cresceu 57% (passando de 2.416.054 para 3.795.896).

A questão primordial a que pretende responder esse artigo é entender em qual direção afinal caminha o Chile e porque a esquerda perdeu.

O primeiro e mais relevante motivo é que, assim como no Brasil, aqui a Imprensa é controlada pela plutocracia e trabalha de mesma maneira.

É desonesta e abusa dos mesmos truques que o brasileiro já conhece, como: “O Chile não pode se transformar um uma Venezuela”. Todas as frase de efeito que conhecemos são ditas muitas vezes — ou “a menudo” como se fala por aqui.

Outro motivo, e não menos importante, é o que diziam os analistas políticos: el gran ganador, la abstención. A abstenção chilena chegou a 51%. O voto voluntário foi instituído em 2012.

Uma investigação do Centro de Estudos Sociais e Opinião Pública reuniu uma mostra de 500 “não votantes”e listou suas razões.

As respostas sugeridas se agrupavam em três modalidades: involuntária (obstáculos práticos e alheios à vontade da pessoas), racional (distância da política sem ter uma postura de confrontação ) e rebelde (não votar como expressão de rejeição ao sistema).

Involuntária

Racional

Rebelde

Trabalhou sem permissão ou tempo para votar

Não se interessa por política

Rejeita a classe política

Inscrito em bairro diferente de onde reside

Não se ve representado por nenhum candidato

Rejeita o sistema politico

Razões econômicas

Desinteresse

Não acredita em nenhum candidato

Não sabia onde votar

Pensa que seu candidato sairá eleito de qualquer maneira.

Assim como no Brasil, o Congresso Nacional Chileno é um órgão bicameral composto por uma Câmara dos Deputados e um Senado. A coalizão Vamos Chile – que agrupa quatro partidos de centro, centro-direita e direita – chegou muito perto de alcançar a maioria.

Assim, se fosse Guillier o eleito, ele teria uma enorme dificuldade para governar. Apoiado somente pelos partidos DC (Democrata Cristiano) e PRO (Partido Progressista), teria que buscar apoio para aprovar seus projetos de continuidade do legado de Michelle Bachelet.

Algumas das medidas de Piñera se parecem, e muito, com as de Michel Temer. Tais medidas afastam o Chile dos padrões internacionais e favorecem uma parcela pequena da população; e todas se justificam com uma proposta de financiamento que consiste em cortes de programas sociais em prol de um suposto crescimento econômico que aconteceria como consequência direta.

1 -Estender a jornada laboral permitindo distribuir as 45 horas em 4 dias da semana

Piñera propõe “modernizar a legislação”. Em outras palavras, se cria a possibilidade de passar a trabalhar de 9h às 11h15, conforme acordo coletivo.

Tal proposta vai contra os ditames de organismos internacionais como a OCDE, que em seu último informe de qualidade de vida adverte que largas jornadas de trabalho causam diversas enfermidades mentais e aumentam a probabilidade acidente vascular cerebral.

2 – Aumentar a contribuição obrigatória para as AFP ( Administradora de Fundo de Pensões ) em 4%

A Previdência surgiu no chile com a lei n. 3.500, em novembro de 1980, e mudou o antigo sistema de aposentadoria, que era um fundo comum onde todos os trabalhadores faziam aportes.

A AFP é um sistema de capitalização individual e há um descontentamento por parte da população quanto às suas pensões, que alcançam em média  40% do salário do trabalhador. A proposta de Piñera é aumentar em 4 pontos a contribuição e seguir sem alterar um sistema que já não funciona.

3. Restabelecer a coparticipação de gasto escolar

Existe aqui uma lei de que permite que pais de alunos possam fazer doações voluntária às instituições de ensino. Esse novo critério permitirá a seleção socioeconômica: os ricos com os ricos, separados dos pobres, segregados com os pobres.

4. Financiamento do programa

O financiamento de seu programa resultaria da possível eliminação de programas sociais relevantes como: Bolsa de Estudantes do Presidente da República, o Programa de Melhoria de Vizinhança e Programa de Prevenção  da Violência abrangente contra as mulheres.

Nas ruas, Santiago discute os retrocessos que Piñera vai impor no que diz respeito às minorias, à imigração e em termos da dignidade da mulher. Já as ideias classe média de direita, que crê copiosamente que será convidada para o clube de golfe no domingo, remetem a um déjà vu brasileiro sem panelas.