No Complexo do Alemão, Páscoa tem morte sem ressurreição

Atualizado em 5 de abril de 2015 às 14:58

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De Douglas Belchior, no blog Negro Belchior:

Quinta-feira santa. Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Mas poderia ser Capão Redondo, em São Paulo, Cabula, em Salvador, ou Terra Firme, em Belém do Pará.

E os gritos desesperados da mãe: “Léo, acabaram com a vida do seu irmão. Léo, meu filho, a polícia atirou na cabeça do meu filho dentro de casa! Eles são covardes, Léo…”

Poderia ser Maria, a santa mãe de Jesus. Mas era a trabalhadora doméstica Terezinha Maria, de 40 anos, mãe do Cristo da vez, o menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos de idade, assassinado com um tiro de fuzil a queima roupa dentro de casa.

Jesus de Nazaré tivera direito a julgamento. Morte, só depois de condenado pelo juri popular. Já Eduardo, não terá chance sequer de ser alvo fácil dos efeitos de uma possível redução da maioridade penal.

Segundo testemunhas, um policial fardado e com o rosto escondido por um capuz atirou e ficou olhando. Depois, ameaçado pelos moradores, teria fugido mata adentro.

Desde quarta-feira (01/04), além do menino Eduardo, outras seis pessoas foram baleadas no Complexo do Alemão. Três morreram. Todas mortes suspeitas de serem fruto de ação policial.

A justificativa é sempre a mesma: o combate ao tráfico e ao crime organizado. Já as mortes ocorrem quase sempre nas mesmas condições, “trocas de tiros entre bandidos e policiais”.

Mas os crucificados, mortos e sepultados são sempre os mesmos: moradores, jovens, negros e pobres.

Na sexta-feira da paixão, ligo a TV e em todos os canais a notícia é: alguém “importante” perdeu o filho em acidente de helicóptero. Sim, a Páscoa será triste também. Meu respeito a todas as dores. Mas há uma morte natural, acidental ou decorrente da doença incurável. E outra – a maioria delas – resultado do descaso, do preconceito e da violência gratuita. Uma bala de fuzil disparada por um agente público em serviço, ao encontro do corpo franzino de um menino de 10 anos, não merece atenção? Não merece debate, cobertura, preocupação? Por que não?

E o que mais há de se dizer? E o que mais há de se fazer? Talvez esperar que a Páscoa nos faça mais que lembrar uma ressurreição simbólica, mas que nos provoque a insurreição necessária.

Estado brasileiro, governos e polícias: nossos Pilatos com mãos lavadas em sangue!