No Fantástico, Regina Duarte encenou o primeiro ato de sua demissão. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 8 de março de 2020 às 23:37

Regina Duarte praticamente assinou sua carta de demissão hoje, ao dar uma entrevista ao repórter Ernesto Paglia, no Fantástico, em que pareceu sincera pelo menos num ponto.

Questionado sobre o que pretende fazer com Sérgio Nascimento, o presidente da Fundação Palmares, disse que ele é um ativista mais do que um gestor público.

Ou seja, não tem credenciais para permanecer no governo, em qualquer governo que pretenda tratar a coisa pública de maneira minimamente adequada.

Nascimento foi escolhido para presidir a Fundação Palmares pelo antigo secretário, Roberto Alvim, que caiu depois de repetir discurso de Joseph Goebbels, o ministro de propaganda de Hitler.

Nascimento já disse que considera que não existe racismo no Brasil e que, sob certo sentido, a escravidão foi positiva para os negros.

“A senhora pretende fazer o que com esse senhor?”, perguntou Paglia.

A secretária de Cultura respondeu:

“Voltamos aí a essa situação da política, que interfere no fazer cultural, na medida em que temos uma pessoa que é um ativista mais do que um gestor público. Eu estou adiando esse problema porque esta é uma situação muito aquecida. Não quero que isso desequilibre o que estou percebendo aí, ganhe mais espaço. Quero que baixe um pouco a temperatura. E logo, logo a gente vai ver. O que tem que ser tem muita força”, afirmou.

Regina Duarte já poderia ter demitido Nascimento, como fez com outros assessores da Secretaria de Cultura, mas sabe que o presidente da Fundação Palmares tem uma ligação direta com Bolsonaro.

Não fosse assim, o presidente não o teria recebido no Palácio do Planalto um dia antes da posse aa secretária, tirado foto e ainda postado na rede social.

Era um recado para a Regina. Foi como se ele dissesse: este cara é meu, joga no meu time.

Enquanto Nascimento permanecer na Fundação Palmares, Regina Duarte não terá autonomia sobre os assuntos de cultura do governo federal.

Era previsível que fosse assim.

Bolsonaro prometeu a Regina Duarte “porteira fechada” e “carta branca” na Secretaria de Cultura.

Mas o que Bolsonaro diz não se escreve.

Pouco importa que Regina Duarte tenha dito, no discurso de posse, que não esqueceu a promessa de Bolsonaro.

Ele respondeu na hora. Faz a promessa para todos os ministros e secretários. Mas interfere quando julga necessário.

Ali Regina Duarte deveria ter ido embora, se quisesse preservar sua autoridade e até a biografia, já manchada pelo apoio que deu à direita e à extrema direita no Brasil, depois de dedicar anos da sua vida ao que pode ser considerado centro-esquerda, inclusive com visita a Fidel Castro.

Daniel Filho, com quem ela foi casada, disse que Regina Duarte não era essa mulher reacionária. Era até meio de esquerda, segundo ele.

Regina Duarte terá pela frente dois caminhos.

Ou radicaliza no seu mergulho na extrema direita que tem desgraçado o Brasil, ou vai embora e tenta se reconciliar com a classe artística.

Ela não vai conseguir fazer as duas coisas.

Seria melhor sair antes do que ser demitida ou exposta à máquina de fake news e de ódio que é a essência do bolsonarismo. Pouco importa que, na mesma entrevista, tenha feito aceno à direita hidrófoba, ao dizer que minorias não terão verba pública.

Que minorias seriam estas? As que não rezam na cartilha do bolsonarismo?

Pobre Regina. Já não sabe o que diz, e tem a ilusão de que a arte livre possa sobreviver num governo que é resultado do empoderamento da ignorância.