No ménage à trois de França, Alckmin e Doria, só o terceiro está levando alguma vantagem. Por José Cássio

Atualizado em 7 de julho de 2018 às 8:28
Alckmin transmite o cargo para Márcio França (Divulgação / Governo do Estado de São Paulo)

Saboreando a romaria de prefeitos de pequenas cidades do interior na porta do seu gabinete, o então vice-governador de São Paulo, Márcio França, invariavelmente encerrava suas conversas com uma promessa.

“Anota uma coisa: quando sentar na cadeira de governador, não vou precisar nem de 10 dias para mostrar meu estilo. Logo no primeiro a população já vai perceber as mudanças”, dizia.

A ideia era convencer o interlocutor de que ia mudar tudo na rotina política e administrativa do governo e, se preciso fosse, desalojar o exército de tucanos pendurados na máquina caso algum deles ousasse trabalhar por outra candidatura que não fosse a sua à reeleição.

Os interlocutores em geral se empolgavam.

Afinal, era França quem comandava o varejo da máquina, sustentado por entregas de ambulâncias, pequenos convênios e verbas para custeio, que prefeitos e vereadores adoram vir buscar em São Paulo.

Não por acaso ao vice-governador era creditada a montagem do incrível arco de alianças partidárias que ajudou a eleger João Doria prefeito da capital. O plano era simples e prático.

Alojar Doria no Palácio do Anhangabaú e preparar o terreno para a candidatura de Alckmin à presidência e a sua própria ao governo do Estado.

Só não contavam, ele e Alckmin, com o desmedido apetite de Doria pelo poder.

“O ex-prefeito é um mentiroso”. Quem acusa é Camilo Cristófaro, aliado de França na Câmara de vereadores. “Tudo que prometeu não cumpriu. Disse que ia prefeitar e fez o quê? Onde estão os banheiros químicos padrão shopping Iguatemi? Cadê a recuperação das pontes das marginais em parceria com a iniciativa privada? As armas da guarda civil?”

O saldo da passagem do publicitário pela prefeitura, segundo Cristófaro, reflete o desgaste do PSDB na cidade: “Fechou postos de saúde, ampliou a indústria de multas que tanto criticava. Um desastre”.

Mas, voltando ao início da conversa, o que França fez de tão diferente no dia em que sentou na cadeira de chefe maior do Estado?

Em primeiro lugar, mostrou que estava curtindo a nova vida ao protagonizar uma cena que virou folclore. Com um pau de selfie na mão, filmou sua nova sala, atentando deslumbrado para detalhes estéticos e históricos até parar num quadro de Benedito Calixto retratando São Vicente, cidade onde construiu sua vida pública.

Naquele exato momento, não muito distante dali, a região do ABC literalmente fervia. Abrigado no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, sob cerco da PF, o ex-presidente Lula se recusava a cumprir a ordem de prisão de Sérgio Moro.

“Foi um teste para cardíaco”, admitiu França ao apresentador Ronnie Von, numa noite que foi à TV Gazeta mostrar suas habilidades como chefe de cozinha. “As rádios me batendo: prende, não prende, cadê o banana do governador? Mas o que eu tinha com aquilo? Chama o japonês da Federal. Neste caso, prender não era papel do Estado”.

Na sequência, sempre no afã de tornar-se conhecido, apareceu como dois de paus com um vaso de flores para homenagear a policial que matou um ladrão na porta de uma escola e, cereja do bolo, aproveitou a greve dos caminhoneiros para gravar um vídeo ao lado de meia dúzia de motoristas e vender como o gesto que pôs fim ao locaute que colocava em risco a democracia no país.

“Neste episódio, ele mostrou sua postura de estadista”, define Luiz Gabriel, secretário-geral do diretório do PSB paulistano. “A intervenção preservou não só a democracia, mas o próprio governo Temer que, perdido e sem ação, estava por um fio”.

Exageros à parte, e descontando o fato de não ter enquadrado os tucanos que continuam dando as cartas e fazendo campanha dia sim, outro também, para Doria, o estilo bonachão e conciliador tem ajudado a manter a administração sem maiores sobressaltos.

“Ele é mais flexível que o Alckmin, dialoga melhor, mas não poderia ser diferente num governo de transição”, diz o deputado Carlos Giannazi (Psol), para quem França não apresentou até aqui nenhuma novidade.

A monotonia só é quebrada, segundo o líder oposicionista, por um fato inusitado: a bancada tucana na Assembleia Legislativa seguiu para a oposição ao próprio governo que ajudou eleger e sustentou por três anos e meio.

“Pela primeira vez em 25 anos temos uma oposição de direita em São Paulo”, diverte-se Giannazi. “O ambiente paroquial que sempre foi a marca da Casa e do governo ganhou ares de novela mexicana”.

Caio França, filho do governador e colega de Giannazi, confirma e vai além, lembrando que os deputados do PSDB estão obstruindo projetos prioritários e que foram encaminhados pelo próprio Alckmin, como a extinção do Ipesp (Instituto de Previdência do Estado) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

“É uma contradição surreal”, diz o parlamentar do PSB. Giannazi lembra que a perseguição não perdoa sequer um quadro histórico do governo, o ex-reitor da USP e secretário nomeado por França para a pasta da Saúde, Marco Antônio Zago.
“Ele que era bom e confiável virou alvo de suspeita e reiteradas retaliações”, diz.

Do ponto de vista das articulações visando a campanha eleitoral que começa em agosto, o governador nem de longe lembra aquele Márcio França que batia na mesa e garantia que era só uma questão de tempo para mostrar a que veio.

Continua acreditando no varejo – seu grande projeto é fazer convênio para asfaltar estradas  vicinais e ruas de pequenos municípios –, sem considerar que vereador e prefeitos do interior são como cabo eleitoral de periferia: leva o apoio aquele que assediar por último.

Outras duas apostas são tornar-se conhecido através do horário eleitoral gratuito e contar com o desgaste de Doria junto aos eleitores da capital.

O núcleo duro que montou resume-se a quatro ou cinco pessoas de confiança que formam a República de São Vicente. “O staff e todo o projeto de poder dele cabe dentro do Palácio dos Bandeirantes”, ironiza um quadro do PSB que pediu para não ter o nome identificado.

Embora diga que conta com uma coligação de 13 partidos, na prática tem de lidar com defecções e ameaças constantes.
Um exemplo é PPS, cujo presidente do diretório da capital, Carlos Fernandez, não se cansa de pregar pela debandada e apoio à candidatura de Dória.

“Ele tem cargo comissionado na prefeitura e já foi desautorizado pelo presidente do diretório estadual”, minimiza Caio França. “O PPS está fechado com a gente”.

No ménage à trois protagonizado por França, Alckmin e Doria a sensação é a de que só o terceiro está levando alguma vantagem.

Alckmin patina a esmo rumo a sabe-se lá onde, França tenta manter um mínimo de lealdade enquanto Doria deita e rola, mantendo apoios importantes dentro da máquina, solapando o quanto pode na Assembléia e sonhando com o dia em que dará o golpe de misericórdia no ex-padrinho para ocupar seu lugar na caminhada rumo ao planalto central.

No caso desta máxima prevalecer, a Márcio França restará ao menos o consolo de ter cumprido uma promessa, não a que fez aos seus correligionários, mas à mulher.

Ele sempre jurou a ela que um dia dormiriam juntos na ala reservada do Palácio dos Bandeirantes, bem como passariam dias agradáveis na residência de inverno do governo em Campos do Jordão – o que, convenhamos, não é pouca coisa.