No mundo perfeito, os casos de amor terminariam no último sexo que funcionou. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 10 de maio de 2015 às 0:16

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E então ouço uma canção ao acaso de um controle remoto que zapeava sem rumo e sem objetivo. A imagem que aparece é a de um programa de televisão com as cem melhores canções de filmes. Lá está Seems Like Old Times, de Annie Hall, para mim o maior filme de Woody Allen. Poucas vezes o cinema captou com tamanho lirismo a essência de uma relação amorosa, a glória e a miséria sempre associadas ao homem e à mulher cujos braços se entrelaçam.

Imobilizo o controle e fixo a atenção em Diane Keaton, no auge da feminilidade, cantando Seems Like Old Times. Parece como nos velhos tempos. Ela está num bar. As pessoas conversam nas mesas. É a primeira vez que ela canta em público. Um público bêbado e desagradável, como é sempre o público de um bar em que o cantor será eternamente um coadjuvante na noite, mas ainda assim é um desafio para ela. Ela titubeia, parece fraquejar, mas triunfa ao escandir as palavras tocantes de Seems Like Old Times. A música trata de um reencontro, e eu não sei por que fecho sempre os olhos e viajo para remotas paragens no trecho em que o narrador afirma que ainda se comove ao caminhar ao lado daquela que ficou para trás.

Não haverá volta, é apenas um reencontro, e isso torna tudo ainda mais belo em Seems Like Old Times. Em Annie Hall, a letra da canção se transforma em realidade. Os dois se separam e, tempos depois, ao andar pelas ruas de Manhattan, recordam cenas do grande amor que viveram. Pareciam os velhos tempos, mas depois que se despedissem os dois retomariam cada qual a sua nova vida. Há uma intensa carga de melancolia nos reencontros, e isso a fita de Woody Allen e a canção que a simboliza mostram magistralmente. Não haverá dia seguinte, não haverá noite seguinte, não haverá novos capítulos. Dói, como dói. As lembranças atormentam em vez de acalentar. Onde nos perdemos de nós mesmos, onde foi? Essa pergunta emerge tenebrosa e cruel nos reencontros, e sempre sem resposta lógica.

“Fuja dos reencontros amorosos”, me recomendava Tio Fabio, um homem sábio do interior. Este era um dos pontos cruciais da cartilha sentimental de Tio Fabio, um homem cultivado na filosofia e na arte da galanteria. O tempo me fez entender a advertência de Tio Fabio. Os casos de amor nunca terminam suficientemente bem para que permitam reencontros doces. Se o final foi calmo, é porque não foi amor real. Os amantes arrastam sua paixão muito além do razoável. Uma história de amor verdadeira termina antes da despedida. Em alguns casos, bem antes. Os dias, as semanas em que os dois permanecem juntos sem que na verdade estejam são neuróticos. Destrutivos.

No mundo perfeito, os casos de amor terminariam na hora certa. No último sexo que funcionou. Na última vez em que o amor e a generosidade triunfaram sobre o ódio e a mesquinharia. Mas isso não acontece. A gente sempre ultrapassa o ponto ideal no término dos relacionamentos. É a maldição dos homens e mulheres apaixonados. A quem hesita diante do telefone para ligar para uma amor perdido em busca de um reencontro com o de Annie Hall, lembro as palavras de Tio Fabio. Só telefone se foi um amor de mentirinha.