No país do faroeste caboclo, buscas pelas músicas de Renato Russo no YouTube despencam

Atualizado em 11 de outubro de 2021 às 17:28
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Nos 25 anos da morte de Renato Russo, suas músicas — solo ou com a Legião Urbana — chegaram ao índice mais baixo de popularidade no YouTube.

Ainda têm dezenas de milhões de acessos por ano, mas a queda de audiência é monstruosa (veja os gráficos abaixo). O pico ocorreu em 2013, quando saiu o filme ‘Somos tão jovens’, sobre a formação de Renato Russo em Brasília, e desde então é ladeira abaixo.

O que aconteceu?

O rock brasileiro é um gênero morto, mas isso apenas não explica a decadência. Uma justificativa é a de que a mensagem de Renato Russo não tem mais o mesmo apelo.

Suas letras eram carregadas da chamada teenage angst e de uma sinceridade atroz. Que adolescente não se identificava com um verso como “feche a porta do seu quarto, vê se toca o telefone, pode ser alguém com quem você quer falar por horas e horas e horas”?

A geração WhatsApp nunca viu um telefone. A tecnologia nos distanciou. A dor é tratada com opiáceo.

Renato falava abertamente sobre sua homossexualidade, seu alcoolismo, o uso de drogas e sua obra refletia isso. Ficamos mais brutos.

As apresentações tinham um caráter de culto religioso. RR era um líder carismático. Movia-se no palco com espasmos, fazia discursos messiânicos.

Em Brasília, em 1988, no estádio Mané Garrincha, a histeria fugiu ao controle e terminou em pancadaria. Um fã agarrou Russo. Eles não voltaram mais à capital.

Eu levei meu sobrinho a um show no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Lotado, a sensação de fervor. Ele me diz que se lembra de tudo, especialmente das flores entregues ao público no final, enquanto subia a fumaça de gelo seco. Mas o impacto mais genuíno com a força do grupo foi num festival de rock em 1991.

Fui para ver o Prince. Enquanto me encaminhava para mais perto do palco, os alto falantes começaram a tocar Pais & Filhos. A pista inteira do Maracanã declamava a letra enorme, baixinho, do início ao fim. Tudo, numa espécie de transe. Não estou falando do refrão. Tudo, repito.

Ao morrer em 1996, aos 36 anos, por causa da Aids, Renato foi alçado ao status de mártir, santo e gênio por seus adoradores. Virou o que há de mais próximo de um Jim Morrison tropical – um de seus grandes ídolos, aliás. Era, provavelmente, o que ele queria.

Mas seu legado não sobreviveu às marteladas de ódio, ignorância e conservadorismo que tomaram o país. Renato deu lugar ao sertanejo com sua apologia à bebedeira e à dor de corno, seus ídolos medíocres e adeptos da harmonização facial (Renato era um feio de almanaque).

Versos como “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” simplesmente não encontram mais ressonância num lugar que tem como presidente um Bolsonaro.

Ironicamente, o hino demagógico “Que País é Este” ganhou uma sobrevida por ser entoado em todo protesto de extrema direita como um grito contra o “sistema” e a “dominação globalista”.

Renato Russo ficou complicado demais para nós — e terrivelmente atual.