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Professor titular de filosofia da FFLCH-USP, Vladimir Safatle criticou a normalização da extrema-direita em veículos de comunicação em artigo publicado na última quarta (24) na Folha, citando a aliança entre fascistas e formadores de opinião liberais.
Confira trechos do texto.
“Na semana passada, Wilson Gomes publicou, nesta Folha, um artigo em que exortava a aceitar a normalização pretensamente inevitável da extrema direita. Chamando as reações a tal processo de “dogmas” animados por alguma forma de cruzada moral contra setores muitas vezes hegemônicos das populações mundiais,
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Esse artigo não é peça isolada, mas representa certa tendência forte entre analistas liberais e conservadores do mundo inteiro. Tal tendência consiste em recusar a tese da ascensão mundial da extrema direita como movimento catastrófico global de consolidação autoritária e de esgotamento terminal das ilusões da democracia liberal.
Vimos algo semelhante há pouco quando comentaristas políticos tentavam explicar que um partido como o francês Renovação Nacional, com seu racismo e xenofobia orgânicos, seus vínculos com o passado colaboracionista e colonial francês, seu aparato policial pronto para atirar contra tudo o que se assemelhe a um árabe, não era afinal um problema assim tão grande e sequer deveria o partido ser chamados de “extrema direita”.
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Pois aos que pregam a normalização da extrema direita eu diria que ela nunca teria força tão grande atualmente se não estivesse há muito normalizada. Não pelos eleitores, mas pelos políticos e formadores de opinião liberais. Há uma aliança objetiva entre os dois grupos.
As políticas anti-imigração precisam ser inicialmente implementadas pelo “centro democrático” para que a extrema direita cresça. A paranoia securitária precisa estar cotidianamente na boca dos analistas políticos “liberais” para que a extrema direita conquiste eleitores e eleitoras.
Idem para a equalização entre militantes de movimentos sociais e tropas de bolsonaristas, trumpistas e afins. Ou seja, quando a extrema direita enfim sobe ao poder normalmente ela precisa apenas chutar uma porta podre. A normalização real já tinha definido a agenda do debate político.
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Recusar a normalização da extrema direita não significa ignorar os sofrimentos reais de seus eleitores, a precarização crônica da situação social dos que a apoiam. Muitos menos significa impor discursos morais no lugar de decisões políticas.
Significa não compor de forma alguma com as soluções da extrema direita, ter a capacidade de recusar de forma absoluta sua maneira de definir o debate. Significa tensionar a sociedade com uma visão alternativa de transformação e ruptura. Mas talvez seja exatamente isso que alguns mais temam“.