Nós e eles – a sobretaxa dos taxis em trânsito para aeroportos e a microxenofobia

Atualizado em 6 de agosto de 2014 às 11:54
Taxi de Brasília
Taxi de Brasília

 

Brasília, meu Brás e minha ilha (com a licença da poetisa Thessa Guimarães, que criou a frase), aderiu a uma moda que me deixa um tanto quanto chocado: “bandeira 2” nos taxis em trânsito para o aeroporto.

Na verdade, isso não é novo. Eu é que não tinha notado. A lei é de 2010. Em Salvador, uma lei semelhante vigora desde 2006.

Há aproximadamente 4 anos, a Câmara aprovou que os taxis da cidade cobrassem, para todas as corridas que envolvam o aeroporto, a “bandeira 2”, aquele preço mais alto que teoricamente compensa a inconveniência de trabalhar à noite.

Essa lei pode parecer inofensiva à primeira vista. O problema é que carrega discretamente uma mensagem discriminatória e até xenófoba, que a longo prazo sempre pode ser um problema.

Divide as pessoas entre “nós” e “eles”, nós que andamos por aqui e eles que vêm de lá ou vão para lá.

É claro que “nós” também vamos para lá. Locais usam o aeroporto.

Mas o quê, pela lógica, faz o aeroporto ser um lugar assim tão especial que merece ser mais caro? Por quê o aeroporto e não qualquer outro lugar?

Teoricamente, o valor da quilometragem do taxi deveria ser suficientemente vantajoso para que quanto mais longe ele levasse o passageiro, melhor. Isso, talvez excetuando-se uma ocasião: quando ele leva um passageiro para outra cidade, onde não pode operar como taxista e, portanto, não pode pegar outro passageiro na volta.

É o caso do aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo. Não é o caso do aeroporto de Brasília.

Se o taxista precisa de um dinheiro extra para levar o cara mais longe, tem alguma coisa errada nessa matemática.

Digo isso porque a explicação que me deram é que o problema é a distância. Mas não me convence, porque as áreas residenciais do Lago Sul ou do Lago Norte, mais ou menos tão longe do “centro” quando o aeroporto, não são passíveis de “bandeira 2”.

E aí a gente volta no “por quê o aeroporto”. Poderia ser o Palácio do Planalto. Poderia ser o shopping novo. Poderia ser, sei lá, sobretaxa para casais apaixonados. Parece tão aleatório quanto isso.

Mas não é.

O aeroporto, simbolicamente, representa o turismo. Outros lugares representam outras coisas. Mas você não quer sobretaxar essas outras coisas. Você quer sobretaxar o turismo.

E você não sobretaxa o turista porque ele tem dinheiro. Fosse isso, escolheria empresários e executivos. Corrida para a Avenida Paulista é mais cara. Para edifícios de mais de 30 andares, mais ainda.

Você sobretaxa o turista porque ele é de fora, e isso parece suficientemente – ainda que talvez inconscientemente – justo.

Aí o perigo discriminatório dessa “bandeira 2” no aeroporto.

E então eu pergunto: como depois você vai poder cobrar que um vendedor ambulante não faça o mesmo? Esse cara que pede 10, mas quando vê um gringo pede 20, é sempre alvo de muita crítica. Os taxistas, que são bem mais organizados do que os ambulantes, fazem as reivindicações legais que os ambulantes não fazem.

E é legítimo reivindicar. Mas não é inteligente e nem ético acatar todas as reivindicações.

Essa é uma atitude de micro-xenofobia. É claro que há uma monstruosidade de diferença entre isso e, digamos, os ataques israelenses a Gaza. Mas não deixa de ser uma pequena fração do mesmo sentimento.

Os Taxistas são organizados e unidos
Taxistas são organizados e unidos