Nos Estados Unidos, leis municipais criam o crime de morar na rua

Atualizado em 10 de agosto de 2019 às 17:05
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Do Consultor Jurídico:
Por João Ozório de Melo

Sem outros recursos para lidar com moradores de ruas, cidades dos EUA vêm apelando progressivamente para uma solução legislativa para se livrar do problema: criminalizar a moradia nas ruas, com penas de multa e cadeia.

A última cidade a aprovar uma lei desse tipo foi Lacey, no estado de Washington. A lei, aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal, autoriza a polícia a multar as pessoas que acampam em lugares públicos em US$ 1 mil. E, se elas forem processadas criminalmente, podem pegar 90 dias de cadeia.

Lacey criou sua lei com base em “modelos” já aprovados em outras cidades, entre as quais San Clemente (Califórnia), Centennial (Colorado) e Beaverton (Oregon). Geralmente, a promessa desse tipo de lei é a de que ela só será executada se houver lugar disponível em abrigos para sem-teto (homeless, em inglês). Mas há uma desconfiança dessa promessa.

Na capital do Havaí, Honolulu, um paraíso turístico e supostamente a cidade dos EUA com maior número de moradores de rua, a polícia vem destruindo tendas improvisadas e prendendo as pessoas que moram em lugares públicos.

Em San Diego (Califórnia), cidade praiana, a polícia destruiu tendas e distribuiu citações para moradores procurarem abrigos, dias antes de a cidade iniciar sua contagem anual de moradores de rua.

As cidades argumentam que tais leis incentivam os moradores de rua a ficar em abrigos. Muitos moradores de rua argumentam que não há camas disponíveis nem lugar para colocar seus pertences.

Os opositores dessas leis afirmam que as penas para quem acampa em lugares públicos — geralmente parques, praças (muitas vezes nas cercanias da prefeitura) — violam a Constituição, que proíbe punições cruéis e incomuns.

Pelo menos um tribunal federal já concordou com esse argumento. Juízes de um tribunal regional de recursos na Califórnia decidiram que multar moradores de rua por alguma coisa fora do controle deles — a de não ter onde morar, a não ser a rua — é uma punição cruel e incomum. Mas fizeram uma ressalva: a polícia pode multar, se houver espaço disponível em abrigos e, mesmo assim, as pessoas continuarem a dormir nas ruas.

Com base nessa decisão, algumas cidades vêm apelando para a Justiça para se livrar dos moradores de rua. Por exemplo, Santa Cruz (Califórnia), também cidade praiana, com bom fluxo turístico, esvaziou os acampamentos em lugares públicos, com permissão de um juiz federal e a promessa de distribuir vouchers para abrigos e hotéis (baratos) na região.

Em Oakland (Califórnia), a polícia esvaziou um acampamento que abrigava mais mulheres e crianças, com as bênçãos de um juiz federal. O magistrado argumentou que a decisão do tribunal regional de recursos não estabeleceu, necessariamente, “o direito constitucional de ocupar propriedade pública indefinidamente”. As cidades argumentam que, ao obrigar pessoas sem teto a sair das ruas, oferecem abrigos a elas.

Indigência nos EUA
Estatísticas do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA indicam que, em 2018, existiam 552.830 pessoas sem teto no país — 17 de cada 10 mil habitantes. Desse total, 67% vivem sozinhos. Os demais 33% são famílias com crianças.

Entre os moradores de rua sem família, 7% são jovens, com menos de 25 anos; 7% são veteranos de guerra; 18% são pessoas “cronicamente sem teto”; e o grupo restante é constituído por pessoas com deficiências físicas e mentais.

A maioria das pessoas sozinhas (70%) é de homens. Brancos representam 50% da população sem teto. A população de afro-americanos e nativo-americanos é menor, em relação à população geral do país. Mas o percentual é considerável se a base de comparação for o número de habitantes da raça negra e de nativos vivendo no país.