Nosso colunista na praia em que surgiu a maior de todas Bond Girls

Atualizado em 24 de outubro de 2012 às 14:06

 

Ursula Andress em Dr No, de 1962: a Bond Girl primordial

O intrépido Dagomir Marquezi prossegue em sua aventura em busca das origens de James Bond na Jamaica. Agora, ele pisa na praia consagrada pela beleza deslumbrante de Ursula Andress em Satânico Doutor No, e narra a ansiedade com que o autor Ian Fleming via o declínio físico e o inevitável encontro com o “caranguejo de ferro”. Era assim que ele se referia à morte.

Parte 4 – O CARANGUEJO DE FERRO

Ian Fleming cruzou inúmeras vezes aquela casa branca e arejada com a cabeça cheia de idéias e gim. O Comandante sabia que James Bond tinha todos os elementos para se tornar um imenso sucesso. Era uma questão de tempo. Como era questão de tempo que um dia o “caranguejo de ferro” – sua imagem poética para a morte – chegaria para pega-lo de vez. Seu fraco era o coração. E seu princípio: “Eu devo estar pronto para viver como eu quero, sem restrições. Ou eu prefiro nem viver”.

Num passeio por Washington no início dos anos 1960, Ian Fleming foi apresentado ao jovem candidato à presidência John Fitzgerald Kennedy. Kennedy já era leitor de James Bond e convidou Fleming para um jantar. Fleming divertiu o futuro presidente com um plano mirabolante para desmontar a revolução cubana fazendo cair a barba de Fidel Castro.

Meses depois Kennedy era o presidente americano mais popular do século 20. E escreveu uma matéria para a revista Life com uma lista de seus 10 livros favoritos. Na lista estava From Russia With  Love. E ler os livros de Fleming virou mania nos EUA. O dinheiro começou a jorrar para a conta do Comandante.

Logo depois os produtores Harry Saltzman & Albert Broccoli compraram os direitos para o cinema de Dr No. Após uma longa série de testes, resolveram dar o papel de 007 a um quase desconhecido chamado Sean Connery. Chamaram o aristocrático diretor Terence Young para transmitir bons modos ao jovem escocês (que já tinha sido leiteiro e lustrador de caixão, entre outras coisas). E resolveram filmar Dr No lá mesmo perto de onde James Bond nasceu.

A essa altura Fleming estava em profunda crise pessoal. Ele, que se considerava uma espécie de herói invencível, envelhecia rapidamente aos 53 anos. O Caranguejo de Ferro o ameaçava nas sombras.

O filme Dr No começa em Kingston e segue para uma ilhota imaginária da Jamaica chamada Crab Key, propriedade do vilão do filme. É impossível desembarcar normalmente nela, pois o satânico Doutor No atira nos invasores para matar. É preciso “invadir” a ilha pelo mar.

Bond pede ao seu fiel guia e amigo jamaicano Quarrel (Jon Kitzmuller) que o leve clandestinamente. Quarrel arranja uma lancha veloz e os dois desembarcam numa praia inesquecível, com uma caudalosa cachoeira numa de suas pontas. Bond dorme na praia. Acorda com uma voz de mulher cantando um calipso. Escondido ele observa a imagem que se tornaria um dos maiores ícones da cultura pop do século 20: das águas azuladas do mar surge a deslumbrante figura de Honey Ryder (Ursula Andress) com seu biquíni branco e seu longo punhal na cintura.

No dia 9 de dezembro de 2011 eu encontro meu guia Oneil na varanda do meu cotage. Ele diz que encontrou quem me leve até Laughing Waters, a praia onde foi filmada a célebre cena com Connery e Ursula. Mas existe um problema: a praia é particular. E os invasores são recebidos a bala. A gente vai ter que entrar clandestinamente em Laughing Waters pelo mar.

Oneil me leva na van até a marina de Ocho Rios, onde nos espera o piloto da lancha e seu jovem auxiliar. Disparamos pelas águas do Cruise Terminal. Passamos pela mesmíssima esteira de bauxita pintada de laranja usada como locação no filme. Tudo parece tão igual que eu penso enquanto as águas cristalinas de MalardsBay espirram na minha cara: será que Dr No morreu mesmo naquela explosão?

E de repente o piloto embica a proa da lancha para uma das praias. Não precisa dizer nada. Fora uma nova escadaria de pedra, está tudo absolutamente igual. A cachoeira desaguando diretamente no mar é inconfundível. E continua farta em suas “risonhas águas”.

O piloto da lancha se aproxima o mais que pode da areia. Desembarco com o garoto, levo minha mochila com as câmeras. O piloto está preocupado: “Não demora. Se aparecer algum segurança finge que não sabe falar inglês. E sai correndo de volta para o barco”. Tiro fotos, gravo imagens de Laughing Waters. Fixo o olhar naquela água azul, na curva de areia dourada, nas palmeiras. É tudo tão igual a 1961 que a mulher loura de biquíni branco e conchas nas mãos está para surgir cantando Underthe Mango Tree. O piloto no barco berra exigindo pressa.

A SEGUIR: EPÍLOGO – FESTA NO JARDIM DO COMANDANTE


Publicado originalmente na revista VIP, da editora Abril. Dagomir Marquezi pode ser encontrado em http://dagomir.blogspot.com.br/