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Nossos mortos são melhores que os mortos deles?

COM ELE MORRERAM AS TRÊS FILHAS E A NETA

OS ESTADOS UNIDOS anunciaram hoje que existem “fortes razões” para acreditar na morte de um dos líderes do Al-Qaeda, o grupo terrorista de Osama bin Laden. Era, segundo funcionários da inteligência americana, o número três no comando, Mustafa Abu al-Yazid. Teria morrido entre 21 e 22 de maio, num ataque de míssil a uma região do Paquistão.

Um troféu importante, embora na própria mídia dos Estados Unidos alguns jornalistas tenham já notado a frequência com que é anunciada a morte de “números 3” do Al-Qaeda e facilidade com que são substituídos.

Mas ainda assim. Aceitemos a informação de que Yazid era um integrante valioso do grupo. Como há uma guerra, bom para os Estados Unidos tê-lo matado. Um inimigo a menos para semear bombas. Só que no ataque de mísseis morreram também a mulher, as três filhas e a neta de Yazid. E mais outra família com crianças.

Tudo bem mesmo?

A vida no Paquistão vale menos que a vida em outros lugares mais “civilizados”? Não houve, na maior parte do noticiário, menção às “mortes colaterais”, para usar a expressão consagrada pela WikiLeaks ao veicular o vídeo em que soldados americanos matavam pessoas em Bagdá.  (Aqui, um artigo que escrevi sobre o assunto.) “Saudamos sua morte”, disse o assessor de imprensa da Casa Branca, como se houvesse sido uma execução cirúrgica e precisa. Nas raras exceções em que as outras mortes foram citadas, não apareceu uma expressão de questionamento ou de pesar.

Compare. Alguns meses atrás, um extremista islâmico tentou matar na Dinamarca um chargista que fizera uma caricatura de Maomé. Ele foi à casa do chargista, que cuidava da neta naquele dia. O agredido conseguiu se trancar num quarto especial e chamou a polícia antes que o radical destruísse a porta com um machado. A neta não foi tocada, felizmente. Mas o noticiário do episódio destacou, com razão, aliás, o risco pela qual passara a garota.

Agora, nada.

Estamos tão amortecidos assim? Não há problema em que filhas e netas de quem for sejam mortas por mísseis que você envia? Não há uma questão moral aí? Como você pode, depois, se queixar da morte de inocentes do seu lado? Os seus mortos são melhores que os outros?

OS MÍSSEIS PARTEM DE AVIÕES COMO ESTE

Um dos mestres do pensamento liberal, John Stuart Mills, escreveu que é um erro pretender levar a sua idéia de civilização para outros povos. Simplesmente porque civilização é um conceito subjetivo. Não bastasse, quase sempre há mesquinhos interesses materiais mesmo quando o discurso é nobre. Os Estados Unidos cometem o erro de que falou Mills já faz tempo. O uso de mísseis para matar pessoas no Paquistão — preferencialmente terroristas, mas não há garantias de que inocentes ficarão intactos — aumentou sob Obama.

A cada míssil que destrói não apenas terroristas, cresce o ódio aos Estados Unidos numa área do mundo que fabrica homens bombas em série. A consequência, para os próprios americanos, é viver numa paranóia de 24 horas nos sete dias da semana, apavorados com o troco que o lado de lá quer — e muito — dar.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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