Defensoria estuda ação para tirar “capitão do mato” da direção da Fundação Palmares. Por Beatriz Danielle

Atualizado em 30 de novembro de 2019 às 14:13

 

Sérgio Camargo e a obra de Rugendas: “capitão do mato”

O defensor público federal Alexandre Mendes de Oliveira está estudando o caso da nomeação do Sérgio Nascimento de Camargo à direção da Fundação Palmares. Em entrevista por telefone ao DCM, afirmou que não pode emitir ainda um juízo de valor sobre o caso. Mas disse uma frase que sinaliza uma tendência.

“Para ocupar o cargo, é preciso ter idoneidade moral”, falou. “Cabe lembrar de recente precedente quando o Poder Judiciário acolheu pedido judicial de afastamento da então ministra do Trabalho em razão do não cumprimento do referido requisito.”

Em janeiro de 2018, a posse do Ministério do Trabalho por Cristina Brasil foi suspensa devido às condenações que sofrera na Justiça Trabalhista. Não fazia sentido uma violadora de leis trabalhistas assumir o Ministério do Trabalho como faz sentido que um racista dirija uma instituição voltada à promoção da cultura negra.

O pedido de afastamento foi enviado pela ONG Educafro à Defensoria Pública. A Educafro luta para diminuir as diferenças raciais, e incluir negros e pobres nas universidades. O fundador, Frei David, afirma que a Fundação precisa de alguém “honesto e responsável”, que respeite as políticas públicas, e exigir isso “não é uma luta só do povo negro, mas também de todos os brasileiros que têm senso de justiça e amor à pátria”.

Sérgio já se envolveu em polêmica para sustentar a tese de que não existe racismo no Brasil.

“Racismo real existe nos EUA. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada”.

Com um histórico documentado de embates com o movimento negro, Sérgio foi nomeado por Roberto Alvin, secretário especial da Cultura, nesta quarta-feira (27). Os diversos ataques às minorias e as constantes negações do preconceito racial não foram um empecilho para que Sérgio assumisse o cargo.

Durante a posse, o novo diretor deixou claro que fará profundas mudanças na Fundação, cada uma delas “norteada pelos valores e princípios que elegeram e conduzem o governo Bolsonaro”. Este que, por acaso, já fora processado por polêmicas falas racistas e retrógradas, bastante comuns em seus discursos.

Sérgio passa pano publicamente para a escravidão ao confirmar que fora “benéfica para os descendentes”. O Dia da Consciência Negra, que relembra e reafirma a luta do povo, também é alvo de críticas do novo diretor. Para ele, o dia “é uma vergonha e precisa ser combatido incansavelmente”.

Em sua página do Facebook, Sérgio chamou Zumbi dos Palmares, famoso líder quilombola que dá nome à Fundação que acaba de assumir, de “falso herói dos negros”. Suas redes também servem para que avise às pessoas de esquerda que serão bloqueadas. Além disso, outro forte recado já foi passado: “Quer reparação histórica? Vá cobrar no Congo! Boa sorte!”.

A nomeação não chega a espantar o frei David. Para ele, o novo diretor “é um pau mandado que está a serviço de um sistema que quer oprimir os oprimidos cada vez mais”.

“Quando hoje o governo Bolsonaro escolhe para chefiar a Fundação Palmares uma pessoa que é radicalmente contra a libertação do negro, ele está declarando guerra ao povo negro”, assegura.

“Ele é um capitão do mato”, afirma o fundador, explicando que capitães do mato eram aqueles negros que, durante a escravidão, defendiam os senhores e perseguiam os próprios negros.

Nem o irmão de Sérgio concorda que ele assuma a direção. Em pronunciamento via Facebook, publicado no mesmo dia (27) do anúncio da nomeação, ele expressou seu sentimento: “vergonha de ser irmão desse capitão do mato”.

Ao ser contatada, a assessoria da Secretaria Especial da Cultura tentou justificar a escolha: “as mudanças de equipe publicadas nesta quarta-feira no Diário Oficial da União (DOU) visam garantir maior integração e eficiência à pasta”.

Ou seja, não disse nada.