Glória Pires não tem culpa de a emissora para a qual trabalha tê-la colocado para comentar o Oscar. O culpado, se existe algum, é quem a colocou lá.
Ela ocupava o posto do falecido José Wilker, que costumava acompanhar os jornalistas Maria Beltrão, a âncora, e Artur Xexéo. Xexéo e Maria pareciam realmente entusiasmados com a premiação — a mesma chatice há 275 anos — porque ganham para isso.
Glória, que não depende daquilo para viver, foi ela mesma. Ou seja, os verdadeiros atores foram os outros dois.
Numa época em que todo o mundo tem opinião sobre tudo e a externa sem cerimônia no Facebook, Glória foi um oásis de modéstia e de indolência assumida.
“Achei interessante”; “Curti sim”; “Foi merecido”; “Não assisti”. Nada a tirava da tranquilidade da ignorância. Uma de suas respostas tornou-se um clássico instantâneo: “Não sou capaz de opinar”. Quantas vezes você não gostaria de ouvir isso de seu cunhado, de seu irmão ou de sua sogra?
A repercussão foi tamanha que ela acabou postando um vídeo com um mea culpa. “Eu vi a maioria dos filmes, mas alguns não vi”, admitiu, agradecendo as “manifestações de apoio” e esclarecendo, aos que pensaram que ela estava sob efeito de medicação pesada, que não estava doente.
O gênio que colocou Glória ali tinha três razões para essa aposta: 1) uma “celebridade” vai dar audiência; 2) uma atriz saberá falar sobre cinema ou teatro; 3) ninguém se importa, na verdade, com esse negócio.
A prova cabal de que um profissional bem sucedido em uma determinada área não é, necessariamente, autoridade intelectual no assunto é Pelé.
É famoso o vazamento de imagens da transmissão da Copa de 94 em que Galvão Bueno, no intervalo de um partida, confessa desesperado que não aguenta mais as bobagens de Pelé. Galvão — sim, Galvão Bueno — estava certo.
O maior jogador da história é um péssimo comentarista de futebol. Por que Glória Pires, supostamente a melhor atriz de novelas da Globo e olhe lá, saberia falar de cinema?
Hitchcock dizia que atores são gado. Depois se corrigiu: atores não são gado, mas “devem ser tratados como gado”. Um exagero, claro.
Mas antigos colegas de Glória, mais sábios, tinham noção das limitações da atividade. “Atuar é a profissão do perfeito idiota”, disse Katherine Hepburn.
“É a expressão de um impulso neurótico. É vida de vagabundo. O ator é um cara que, se você não estiver falando sobre ele, ele não está escutando”, afirmou Marlon Brando.
“É basicamente muito fácil. Estamos apenas interpretando o que alguém que é muito mais inteligente do que nós escreveu”, lembrou Malcolm McDowell.
A boçalidade acabou dando resultado. Glória Pires fez com que um programa que costuma ser esquecido em meia hora acabasse sendo notícia por quase um dia e meio.
No ano que vem, ela será substituída pelo elenco completo de “Malhação”. Afinal, quem se importa?