Num país doente, Governo e oposição fracassam miseravelmente. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 1 de julho de 2019 às 12:27
O general Heleno e Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, são a síntese da decadência do poder que a oposição não consegue combater (Imagem: reprodução)

PUBLICADO NO GGN

O governo vai mal e a oposição não vai bem: esta é a síntese persistente da atual conjuntura. Que o governo vai mal não é novidade para ninguém. Basta olhar para algumas coisas: ele produz um vendaval de atitudes agressivas e destrutivas; não tem uma agenda para a retomada da economia; ataca políticas públicas consolidadas nas áreas sociais e ambientais; defende pautas que se chocam com a maioria da opinião pública, a exemplo dos decretos do desarmamento; investe contra a educação e a pesquisa; adota medidas que ferem a soberania nacional; se recusa a construir uma base congressual permanente e hostiliza os congressistas etc.. A contra face de tudo isso é uma queda acentuada na aprovação de Bolsonaro e do governo e o crescimento da reprovação.

Alguns analistas dizem que Bolsonaro adotou o caos como método de governo. Outros analistas e setores de esquerda chegaram a prognosticar uma queda iminente do presidente há algumas semanas. Mas tudo indica que estamos longe disso. Muitas pessoas de esquerda se alimentam de ilusões, pois elas fornecem atalhos e soluções fáceis, mas que nunca se concretizam. Então, como entender os movimentos de Bolsonaro? Para quem atua no front político sempre é mais prudente avaliar que o inimigo tem uma estratégia mesmo quanto ele parece mover-se de forma caótica.

Se bem sopesados todos os atos e movimentos de Bolsonaro pode-se dizer que eles guardam uma coerência. A coerência consiste em alimentar e manter o núcleo duro de sua base eleitoral satisfeito pelo cumprimento de promessas de campanha e mobilizado, principalmente nas redes sociais, para defender o governo. Aqui cabe uma pergunta: qual é o tamanho desse núcleo duro ideológico, de extrema-direita? Talvez 20 ou 25% do eleitoral? Então, hipoteticamente, este seria o piso que o governo se pôs para cair em termos de popularidade.

Mas qual é o cálculo? O cálculo é que com a aprovação da Reforma da Previdência (aqui não importa muito que seja a proposta original de Paulo Guedes), estariam lançadas as condições para uma retomada da economia. Na sequência o governo investiria na aprovação da reforma tributária. Há que se notar que a agenda do governo não destoa significativamente da agenda da maioria congressual que hoje orbita em torno de Rodrigo Maia. Os atritos entre essa maioria e o governo Bolsonaro são atritos por espaços de poder.

Se, por hipótese, a Reforma da Previdência pode suscitar um crescimento em torno de 2 a 2,5% em 2020, então o governo teria condições de sobreviver, conseguindo arrastar apoio paulatino, mas crescente no Congresso Nacional e recuperando apoio na opinião pública. O desemprego poderia começar a ceder. Esta parece ser a estratégia do governo e a oposição deveria considera-la. Bolsonaro ganharia o bônus de colocar a economia na retomada sem fazer as concessões fisiológicas a congressistas. Seria um ativo político considerável.

A estratégia de Bolsonaro então se articula em dois pontos: 1) manter sua base ideológica arregimentada e mobilizada para a travessia de um momento difícil; 2) apostar na retomada da economia. Se não houver uma retomada minimamente satisfatória da economia, a estratégia do governo fracassará. Neste caso, a crise política se alastrará, as tensões sociais aumentarão, o conflito entre o governo e o Congresso se tornará mais agudo e um desfecho possível  seria o impeachment de Bolsonaro.

A oposição, por outro lado, não tem uma estratégia. Na questão da Reforma da Previdência, caminha à margem do processo. Os governadores da oposição parecem precisar da reforma, modificada, claro, mas os partidos são contra tudo. A greve geral foi uma greve parcial. Foi mal preparada e foi a frio. Isto é: uma greve geral só terá sucesso se for precedida por uma intensa preparação em mobilizações e greves generalizadas de categorias.

O PT, maior partido da oposição, se alimenta de uma coisa principal: o Lula preso. A manutenção da prisão de Lula é conveniente para o PT, pois assim tem a bandeira do “Lula Livre”. O partido mantém a retórica da vitimização, mas não consegue apontar para a construção de uma saída política. Não consegue propor uma estratégia para galvanizar os diversos setores sociais. Não consegue se reconectar com as imensas camadas que vivem nas periferias urbanas. O “Lula Livre” não se traduziu numa campanha de massa e nem em mobilizações populares. Se a campanha é importante em termos de proselitismo político, ela é inefetiva em termos de capacidade de pressionar o STF e outros poderes a ponto de proporcionar a liberdade de Lula. Nem a maioria do STF, nem os generais que pressionam o Supremo para manter Lula preso temem o PT.

No jogo político, um ator ganha efetividade em suas proposições se for capaz de se fazer temido pela sua força, pela sua astúcia e pela sua competência. Sem essa capacidade nos partidos de oposição, a militância do PT e da esquerda em geral é alimentada pela ilusão de que Lula será libertado pelo Supremo através de um habeas corpus ou que as revelações do The Intercept terão a força de anular o processo e de colocar Moro na cadeia. Se não houver foco, se não houver uma mudança de rumos em torno da questão Lula, corre-se o risco de que haja uma segunda condenação em segunda instância antes que ele conquiste a liberdade em função da primeira condenação.

O PT e a oposição em geral se alimentam de expectativas geradas por acontecimentos que lhes são externos, por fatos que não produzem e nem controlam. Alimentam a ilusão de que um fato fortuito qualquer colocará Lula em liberdade ou derrubará Bolsonaro. As ilusões produzem a sensação de que é possível vencer sem lutar.

Há algo incompreensível na atitude das esquerdas quando se trata de pressionar instituições como o STF e o Congresso a partir de mobilizações de rua. As esquerdas mostram-se totalmente apáticas nessa prática. A extrema-direita bolsonariasta, com seu conteúdo fascistóide, não teme em pressionar as duas instituições, tanto nas redes sociais, quanto nas ruas. Várias análises de esquerda derrapam para um mi mi mi lamuriento que termina por condenar não só o conteúdo, mas também a forma da pressão em si sobre o STF e o Congresso como se isso ferisse a democracia de morte. É legítimo e necessário pressionar, a partir das ruas, com conteúdo e formas democráticos, qualquer instituição do Estado, ainda mais se for considerado que a democracia está capturada por elites políticas, econômicas e funcionais. Os bolsonaristas fizeram duas manifestações políticas neste ano e as oposições nenhuma. Não se pode considerar os protestos das universidades e os do dia 14 de junho como feitos dos partidos de oposição.

Excetuando o Nordeste, a centro-esquerda e a esquerda estão bastante fragilizadas em termos de presença institucional. As eleições municipais são um momento importante para tentar ganhar espaços institucionais. Como os partidos caminharão para este objetivo? Fragmentados ou mais unidos? Com que programas? Não há uma discussão pública acerca dessa temática. Os partidos funcionam, ainda e desgraçadamente, na era da comunicação instantânea e planetária, como sociedades secretas.

Por outro lado, existe a política no plano nacional que tem elevado grau de autonomia em relação às eleições municipais. Três atores se movimentam mirando 2022: Bolsonaro, Moro e Dória. O governador de São Paulo é o mais desenvolto e o mais explícito nessas movimentações. Quais as linhas de força das oposições? Não se vencem eleições presidenciais com estratégias de última hora.