O Aladdin, a vendedora de água de Salvador e o risco das histórias pela metade. Por Sacramento

Atualizado em 15 de fevereiro de 2016 às 12:57
A ambulante massacrada nas redes
A ambulante massacrada nas redes

 

Duas histórias ocorridas neste último Carnaval mostram situações constrangedoras ou mesmo danosas provocadas pela divulgação de fotos ou vídeos pelas redes sociais.

Uma delas foi discutida aqui e fala do pai que colocou uma fantasia do macaquinho do Aladdin no filho negro para brincar o Carnaval em Belo Horizonte. A foto da família fantasiada se espalhou pelas redes sociais, o pai da criança foi acusado de racismo e até ameaçado de morte, em um julgamento virtual completamente desproporcional ao equívoco de fantasiar um bebê negro de macaco.

No mesmo dia em que a foto do ajudante do Aladdin começou a circular o vídeo de uma vendedora ambulante enchendo garrafas com água de gelo derretido no Carnaval de Salvador. Viralizou nas redes sociais, sob o alerta de que ela estaria comercializando água mineral adulterada.

Como no caso do Aladdin, o apedrejamento virtual foi imediato. A ambulante, identificada como Edilene, perdeu a mercadoria e teve os filhos pequenos levados pelo Conselho Tutelar.

Um repórter da TV Record fez aquilo que é obrigação dos jornalistas e sempre é ignorado pelos justiceiros das redes sociais: foi atrás da verdadeira história.

Então foi descoberto que a ambulante se chama Edilene e estava enchendo as garradas de água para abastecer os foliões de um bloco chamado Muquiranas, cujos integrantes brincam com aquelas armas de brinquedo que atiram água.

Conforme Edilene contou na reportagem, os foliões do bloco só compram cerveja se os ambulantes encherem seus brinquedos com água.

Chorando, ela explicou que mora em Feira de Santana, a mais de 100 km da capital baiana, tem dois filhos e está grávida de sete meses. As crianças, segundo ela, não estavam ali para trabalhar.

A repercussão do vídeo fez com que a mulher negra e pobre perdesse a oportunidade de ganhar algum dinheiro e sofresse humilhação pública.

Para sua sorte, a verdade apareceu rápido e até provocou uma corrente de assistencialismo, em que ela ganhou um carrinho para vender picolés e enxoval para o bebê. Tudo explorado pela Record, com direito a musiquinha dramática ao fundo, é importante lembrar.

Mas nem todo mundo tem a mesma sorte de Edilene. Às vezes o boato espalhado na internet termina em julgamento no mundo real, como aconteceu com Fabiane Maria de Jesus em 2014, linchada no Guarujá após ser acusada de sequestrar crianças para a prática de magia negra.

A acusação surgiu depois que uma foto da suposta sequestradora foi divulgada em uma fanpage de notícias da cidade litorânea. Confundida com a criminosa, Fabiane foi cercada quando andava na rua e espancada até a morte.

Todas essas histórias de constrangimento, humilhação e morte poderiam ser evitadas se usuários da internet refreassem a sanha de compartilhar e emitir juízo de valor a respeito de tudo que recebem pela internet sem antes conferir a veracidade dos fatos.

Fazer essa análise antes de passar uma informação adiante não é obrigação só dos jornalistas profissionais, e sim uma regra que deveria ser obedecida por qualquer pessoa que tenha a intenção de emitir uma opinião ou divulgar uma informação.

É questão de bom senso. O problema é que essas duas palavras, combinadas, não costumam ser corriqueiras no vale-tudo verborrágico das redes sociais.