O apelo à razão feito por Boulos contra o fascismo foi o grande momento dos debates. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 5 de outubro de 2018 às 8:25

O debate da Globo teve bons momentos com um Ciro Gomes elegante, contido, despido de tendências suicidas, um Haddad mais firme e contundente, um Álvaro Dias aparentemente under the influence — mas quem roubou a cena foi Guilherme Boulos.

No primeiro bloco, respondendo ao candidato do PT, Boulos fez um discurso veemente em defesa da democracia.

Fugindo do script, lembrou do ausente Jair Bolsonaro, que naquele momento brilhava na tela da Record do aliado Edir Macedo em entrevista gravada, e do que ele representa.

“Não dá para a gente fingir que está tudo bem. Nós estamos há meses fazendo uma campanha que está marcada pelo ódio. Faz 30 anos que esse país saiu de uma ditadura”, disse.

“Muita gente morreu, muita gente foi torturada, tem mãe que não conseguiu enterrar seu filho até hoje. Faz 30 anos, mas eu acho que a gente nunca esteve tão perto disso que aconteceu naquele momento”.

Em outubro de 1930, o escritor alemão Thomas Mann, o gigante autor de “A Montanha Mágica”, proferiu em Berlim uma palestra intitulada “Um Apelo à Razão”.

Mann reagia às eleições do mês anterior, quando o Partido Nazista conquistou 18,3% dos votos, atrás apenas dos social democratas, com 24,5%.

Pedia que a burguesia e as forças socialistas rejeitassem o fanatismo.

Interrompido a todo momento por delinquentes da SA, a milícia paramilitar hitlerista, denunciou um “estado de espírito fantástico, de uma humanidade que superou suas idéias, acompanhado por uma cena política grotesca, com aleluias e repetições de palavras monótonas, até que espuma apareça na boca”.

“O fanatismo se transforma em um meio de salvação, o entusiasmo em êxtase epiléptico, a política torna-se um ópio para as massas e a razão oculta seu rosto”, afirmou.

Mann ainda escreveria o ensaio “Frère Hitler” (“Irmão Hitler”), descrevendo a vulgaridade psicótica do líder alemão e de seus seguidores.

“Uma eloqüência indizivelmente inferior, mas arrastando as massas, que lhe permite remexer a faca na ferida do povo, emocioná-lo proclamando sua grandeza ofendida, iludi-lo com promessas”.

É mais atual do que nunca. 

Nesta semana, um colégio tradicional do Rio, Santo Agostinho, baniu um livro por ser considerado “comunista” e livros de direitos humanos foram rasgados na biblioteca da UnB.

Mann foi expatriado com a mulher e os filhos mais novos em 1936 e deu continuidade a seu combate contra as trevas através de boletins na BBC.

Nós temos a chance de virar o jogo agora. 

Thomas Mann